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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

17
Mar25

#2/2025 - Eu canto e a Montanha Dança, Irene Solà

livrosparaadiarofimdomundo

Eu Canto e a Montanha Dança

192 páginas

Cavalo de Ferro

Não sei se ler é o melhor remédio, sei que é um bom remédio. Ler é tudo o que já se disse e um pouco mais que cada um de nós acrescenta. Ler, no caso deste Eu canto e a montanha dança,  é uma experiência estética que agrega beleza e poesia, como se fossem coisas diferentes. Ler é flutuar fora do tempo e do espaço e ao mesmo tempo num tempo e num espaço que é recriado pelas palavras que fluem, que preenchem a nossa perceção. Ler pode ser e é uma experiência intensamente sensorial.

Se houver alguém com paciência para ler estas palavras, não será para encontrar aqui a sinopse de um livro. Decerto procura um motivo para ler e, em particular, para ler este livro. Muito brevemente, o enquadramento da narrativa - atenção não da ação, não das palavras, porque tudo neste livro é complexo e tecido de várias camadas, daí que fuja de expressões redutoras, procuro uma forma abrangente de dizer - são os Pirinéus, eles também personagem.

O que torna este livro objeto a ser lido é, em primeira instância, a forma como memória e identidade nele se fundem: tudo é espaço de convergência - as pessoas, os animais, a natureza, as plantas, as nuvens, a chuva e o raio, os fantasmas, os seres feéricos e mágicos, míticos e imaginários. Tudo se revolve numa espiral que se refaz, não há acaso, não há exceção, não há individualidade, é uma longa e inexorável cadeia que tudo une e interliga.

Os lugares aqui descritos são aldeias recônditas, simultaneamente antiquíssimas e de hoje, nelas vivem homens e mulheres que têm o domínio dos silêncios e da distância, mais de ontem do que amanhã. Pendularmente situados entre uma espécie de panteísmo que é de inspiração antropomórfica. Essa característica contribui para a polifonia do livro, todos os seres são sujeito de narrar, todos contribuem para a composição final, todos convergem.

A composição do romance convoca e desafia o leitor, que não pode ser passivo, tem de ter atenção plena, tem de recompor, reconstruir, reestabelecer a linearidade que a narrativa fragmentou, é agente, é co-narrador.

É um romance belíssimo, no qual se cria uma atmosfera de lenda e de saga, de fantástico e de maravilhoso, de linguagem que narra poetizando o objeto contado. É mesmo muito bonito, como os olhos do corço, é arguto como as nuvens, poético como os montanheses que não escrevem as suas poesias, antes as dizem, misterioso como as mulheres de água, intencional, como as bruxas, frágil como as suas personagens, marcado pela memória como tudo e todos. Todos estes elementos ali constam, pelo meio é possível reconhecer uma história, mas esta é parte e não fim.

04
Mar25

#1/2024 - Ainda estou aqui, Marcelo Rubens Paiva: da importância da memória

livrosparaadiarofimdomundo

Ainda Estou Aqui

D. Quixote

270 páginas

Começava a falar-se com insistência sobre o sucesso do filme, realizado por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, homónimo deste livro, quando me apercebi que a fita era baseada num livro. Ora havendo um livro, diz a ciência - a partir de estudos realizados por leitores que são cinéfilos -, que o livro é quase sempre melhor que o filme. Daí que comecei pelo livro. Ao dia de hoje, já depois do Oscar para melhor filme estrangeiro, ainda não vi o filme, estará para breve, mas li, isso sim o livro. Desfaço já as dúvidas: gostei muito. Em termos de significado está ali a nível do Somos o Esquecimento que seremos. Aliás uma análise comparativa dos dois daria um estudo muito interessante. Um dia destes, curiosamente, apercebi-me que Carlos Magno, o apresentou como sugestão de leitura no momento do seu comentário semanal na CNN. E bem, e bem, a recomendação é pertinente.

Ainda estou aqui é um livro de memórias sobre a memória de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice Paiva e de Rubens Paiva. Glosando várias abordagens sobre a memória, a que conservamos, a que perdemos, as que devemos preservar e resgatar, a propósito da doença da mãe, que tem Alzheimer, de cujas brumas lhe é cada vez mais difícil voltar. Com esse  mote, Marcelo Rubens Paiva vai resgatar a luta da mãe contra a ditadura e contra outras formas de opessão, assim como a história da sua família, para sempre condicionada pelos acontecimentos de 1971, em resultado dos quais o pai foi preso, durante os tempos da ditadura no Brasil, vindo a morrer na prisão, sem que a família tivesse conhecimento do seu destino, tendo de esperar longos anos até que a versão oficial fosse finalmente desmentida e que a verdade emergisse para que a família fizesse enfim o luto, para que eunice pudesse enfim ver esclarecido o seu estatuto civil.

Por um lado, temos essa imaersão nos tempos da ditadura e somos confrontados com os desmandos do autoritarismo, com a crueldade de um regime que, obviamente estava mais preocupado com a sua sobrevivência do que com a segurança dos cidadãos. Mais uma vez, a literatura recupera, expõe, resgata do esquecimento episódios que nunca deviam ser esbatidos para que não corramos o risco de ver a história repetir-se... e, no entanto, eis a história a rir-se na nossa acara, a repetir-se e a reinventar-se. É um libelo a favor da cidadania, da liberdade, da justiça e da humanidade.

Por outro lado, temos a figura de Eunice Paiva, quando casada, esposa a caber dentro de um certo modelo de mulher, mãe de cinco filhos, sem profissão. Depois da sua travessia pelo horror de se ver presa, assim como a sua filha mais velha, no mesmo dia em que o marido foi preso, vindo a morrer em resultado da tortura, Eunice empreende um longo caminho de resistência, que passa também pela sua reinvenção enquanto mulher e quanto ao seu papel na sociedade. Volta a estudar, torna-se advogada, defendo os direitos dos indígenas e procura a verdade sobre o que aconteceu a Rubens Paiva de maneira insistente e persistente até, muitos anos mais tarde, a conseguir e... uma certidão de óbito.

Eunice personifica a resistência, assertiva, digna, orgulhosa e convicta. É uma resistência sem concessões, que recusa a vitimização, cujo expoente máximo - já confundindo o livro com as muitas imagens do filme, com a fotografia que é capa do livro e cartaz do filme - é a célebre frase "Vamos sorrir. Sorriam", pronunciada por Eunice, quando a família é fotografada para uma revista, já na ausência de Rubens Paiva, recusando-se a ceder perante os desvarias de uma ordem que vinga pela força. O livro dá conta da sua coragem e dignidade públicas, em oposição ao sofrimento e às lágrimas privadas.

Vale a pena ler, porque precisamos de conhecer para avaliar, de lembrar para evitar, de nos comovermos para podermos recusar, de nos mantermos alerta. São estranhos os tempos que vivemos, talvez devamos sorrir também como forma de resistir.

Vou agora ver o filme e depois hei de escrever sobre ele.

09
Fev25

Fui ao cinema: Conclave... ensaio para um regresso

livrosparaadiarofimdomundo

Este Post é um ensio para um regresso... aqui, à escrita.

Embora tenha escrito pouco, muito pouco, as frases fervilham dentro de mim, fermentando aquilo que penso, aquilo que vejo, aquilo que vivo, aquilo que me interpela.

Tem sido um cansaço, uma drenagem de energia que me impede de concertar o que é preciso para vir aqui. 

Vim hoje. Por causa de um filme, que teve um forte impacto em mim.

Pois fui ver Conclave, protagonizado por Ralph Fiennes. Era um filme que queria ver no cinema e, depois de o ter visto lá, percebi que o filme precisa da grande tela, da imersão, da atenção plena, do som da sala de cinema, até para que os silêncios sejam mais opressivos, possam dizer tudo aquilo para que foram criados. Assim, o primeiro incentivo vai para isto: ver o filme no grande ecrã.

As primeiras cenas do filme prenderam-me logo e, penso eu, estableceram as tensões presentes no filme e as que o filme pretende explorar. Tudo começa com a morte do papa, jacente no seu leito de morte, cercado de solenidade, orações, ritualizações e a dor de quem o amava e com ele partilhava tempo e amizade. Mas mesmo um papa vê-se reduzido à humanidade, é um corpo pesado, que é preciso colocar em cima de uma maca, que é preciso empurrar por um corredor e transportar numa ambulância, que é preciso colocar num saco... o papa, desinvestido dos símbolos, é um corpo, volta a ser pó. Para mim, essa ambivalência é leitmotiv  no filme: os cardeais são, antes de tudo o mais, muito homens, muito dominados pela ambição, muito manipuladores, há muita política no meio da solenidade do conclave. Os cardeais acendem os seus cigarros, comem com gosto, alimentam discórdias e inimizades, são pequenos no meio do ambiente grandioso, profundamente ritualizado, secreto e misterioso da Cúria Romana. São homens a querer equiparar-se a deuses, ou melhor a um só deus, ou melhor ainda, ao supremo poder do papado, ainda que se lhe refiram com jugo, peso, cruz, fardo, que, na verdade, querem muito carregar.

O filme vive muito da interpretação de Ralph Fiennes, atormentado, esmagado pelo peso do papel que tem de desempenhar, é o decano e deve conduzir o conclave. E explica metade da força do filme. Ainda não vi nenhum dos outros fortes candidatos, mas já penso que Fiennes devia trazer o prémio, um prémio, qualquer que ele seja. É um grande ator. Curiosamente, vi, várias vezes o Fiennes de Grande Hotel Budapeste,  o que não tem nada de mal, antes pelo contrário, há algo de histriónico na Cúria, há algo de sarcástico e irónico no Cardeal Lawrence, que apreciei ver a espreitar de vez em quando.

O filme vive ainda da fotografia magistral, dos planos, da grandeza dos espaços do Vaticano, do ambiente claustrofóbico da Casa de Santa Marta e da Capela Sistina, dos grandes planos das maõs crispadas das persoangesn, da tensão física, do que se tenta reter e controlar, dos silêncios e da música a marcar momentos específicos, mas mais de silêncio. Tudo se conjuga para criar um ambiente denso e tenso, onde todos parecem manobrar na sombra, com um alacance inesperado, até o papa morto.

Outro momento do filme que destaco é o da homilia de abertura do conclave, tão atual, com uma mensagem na qual, parece-me, nunca é demais insistir, mais a mais nos tempos que vivemos agora. Podia ser um mantra a recitar ritualisticamente, mal não faria, a ideia de que as certezas são perigosas, isto num meio que vive dos dogmas. A dúvida como necessidade, aliás as personagens que nos são mais simpáticas são as que mais duvidam. Por fim, afinal tudo pode ser extremado, até na igreja, o discurso de ódio e de intolerância está por aí, ratificando a excitação do medo, da necessidade de voltarmos a uma espécie de pureza incial - que, na verdade, nunca existiu - para nos protegermos da ameaça do outro, do estrangeiro, do estranho.

Enfim, eu gostei muito, pareceu-me um filme poderoso, intenso, bom cinema, embora concorde com alguma críticas que têm visto o plot final como um pouco rebuscado, que será, mas o resto do filme aguenta bem esse claudicar. Ver é o melhor remédio. 

13
Out24

#44/2024 - Um dia na vida de Abed Salama, Nathan Trall - anatomia de uma tragédia em Jerusalém

livrosparaadiarofimdomundo

Um Dia na Vida de Abed Salama

Livros Zigurate

208 páginas

Este é um livro de não ficção, escrito por Nathan Trall, jornalista, analista e ensaísta norte-americano, que vive em Jerusalém, que conhece bem o conflito que envolve Israelistas e Palestinianos. O autor dirigiu durante alguns anos o Projeto Árabe-Israelita do International Cirisis Group, organização independente dedicada à prevenção de conflitos.

No contexto atual que vivemos, este livro importa, para nos ajudar a compreender aquilo que todos os dias se nos revela incompreensível. Como é que este conflito vai crescendo ano após ano, sem qualquer esperança de fim à vista. Como é possível que, após tanto desperdício de vidas, de ambos os lados, ninguém tenha a coragem de trilhar o caminho da paz e da coexistência, fazendo valer as leis internacionais, o direito, os direitos humanos?

Com essa pergunta no espírito, mergulhamos na leitura do relato, que se constrói com o entrelaçar de histórias individuais face à tragédica coletiva.O ponto de partida é um acidente que envolve um camião e um autocarro de crianças em idade pré-escolar, que iriam participar numa visita de estudo. O acidente acontece do lado palestiniano, as crianças são palestinianas, na estrada de Jaba. Uma das crianças é Milad, filho de Abed Salama. como não gosto de revelar o conteúdo do livro, fico por aqui... deixando só esta nota, efetivamente há dias na nossa vida que a mudam para sempre, que deixam cair sobre nós todo o peso do contexto em que nos movemos.

O autor, partindo do acidente, desvenda a vida de várias pessoas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o episódio. É o motorista do autocarro, que nem queria fazer aquele trabalhao, cuja vida ficará para sempre assombrada e condicionada pelo acidente; é a médica que socorre na primeira linha as crianças, é o militar israelita que concebeu e coordenou as operações de construção dos vários muros que foram isolando israelitas e palestinianos, é o pai de Milad, Abed Salama, que, por ter integrado a Fatah, tem um cartão verde, que lhe veda a circulação no lado israelita, é a mãe que, perdendo um filho no acidente, se vê acusada e ostracizada pela família do marido, perdendo dessa forma toda a estrutura da sua vida pessoal, é um cidadão anónimo que ajuda a retirar as crianças do autocarro e que se deixa dominar pela revolta de as ver morrer sem que nenhum socorro surja, ainda que ali perto haja posto militares e de bombeiros israelitas, são os diferentes líderes palestinianos e israelittas que conseguem cooperar entre si, embora nem sempre a vida dos indefesos esteja na ordem das suas prioridades. Desta forma, este dia na vida de Abed Salama permite-nos revisitar as implicações de um conflito sem fim à vista, mas que vai pondo fim à vida de muitos inocentes, à esperança de várias gerações, roubando futuro a muitas crianças. 

À imagem das tragédias clássicas, o dia da vida de Abed Salama tem vintee quatro horas, mas nele cabem anos e anos de conflitos, guerra, morte e destruição que os habitantes daquela zona carregam consigo. Evidenciando mais o lado palestiniano, é-nos devolvido um retrato de um povo sitiado e acossado, deixando-nos para sempre a pergunta incómoda: como é que se pode viver assim, ainda que seja possível perceber que há escolas, comércio, negócios, no território da Palestina. Mas a vida está condicionada por uma série de obstáculos: físicos, judiciais, políticos, religiosos...  

Tratando-se de uma ensaio jornalístico a escrita é objetiva, o texto existe para dar conta, para mostrar, à maneira de Brecht, ao laitor cabe analisar, interpretar e, a partir da informação, tirar as suas conclusões. É um livro que nos leva a querer conhecer, perceber, dissecar como é que a História nos trouxe até aqui, porque é que todos os caminhso parecem dar em becos sem saída, daí que tenham investigado para perceber o que é a Fatah, o Hamas, o sionismo, um judeu asquenaze, a evolução da ocupação israelita, como foram e são criados os colonatos, como se organiza a vida do lado da Palestina.

Não é uma leitura para ficarmos de bem com a vida, mas é uma leitura que importa e não podemos ficar só pelo que é fácil e nos aliena, às vezes temos de tomar uma dose de realidade.

06
Out24

#42/2024 - O amante do vulcão, Susan Sontag: uma erupação lentamente efusiva

livrosparaadiarofimdomundo

O Amante do Vulcão

Quetzal

477 páginas

Tem sido isto, ler mais, muito mais do que escrever... o que vai esvaziando o sonho. Perante tanta obra prima, que lugar haverá para o que eu possa dizer?

Foi o primeiro livro que li desta autora, malhas da Hora H da Feira do Livro, em que há livros a quem damos oportunidade que, pelo preço, talvez não dêssemos. Graças aos deuses da descoberta. Se foi o primeiro... não vai ser o último, decerto.

O amante do vulcão é Sir William Hamilton, diplomata inglês em Nápoles, durante o período da ascensão de Napoleão. O período histórico é o contexto, as circunstâncias, nas quais as personagens se vão movimentar, elas sim protagonistas. O tema do livro não é a história, o tema do livros são as pessoas que viveram a história. Hamilton, para além de diplomata, é um colecionador, um vulcanólogo, vivendo sob o fascínio que o Vesúvio exerce sobre ele, na sua violência e imprevisibilidade. Aliás, o Vesúvio é leitmotiv  no livro, muitas vezes metáfora de metáforas. Apresentado assim, o livro até pode parecer maçador, mas a esta linha narrativa, dois aspetos se juntam que fazem com que, o ponto de partida, corresponda  a uma espécie de erupção.

A história de Hamilton poderia ser a de mais um diplomata, burocrata, interessado em arqueologia, como tantos outros, levando para Inglaterra inúmeros artefactos, como tantos outros, aproveitando-se ou não da ignorância dos locais. Mas este homem terá ficado para sempre ligado ao triângulo amoroso de que fez parte com a sua segunda esposa, Emma Hamilton, e Lord Nelson, o temerário herói inglês, vencedor de Trafalgar. Emma terá sido uma mulher fascinante na sua época, pela sua beleza e pelo seu talento, nomeadamente para recriar quadros vivos, representando muitas das heroínas históricas e mitológicas, musa inspiradora de muitos artistas. Por ela círam de amores William Hamiltonm, que com ela casou, depois de esta ter sido amante do sobrinho, causando grande escândalo na sociedade da época, mas também o herói inglês, Lord Nelson. 

Embora esta história, tantas vezes repetida em diferentes momentos da história: homem mais velho casa com mulher muito mais jovem, homem  mais velho é enganado pela esposa, para além do interesse despertado por se tratarem de personagens históricas, ganha contornos muito próprios por causa da voz narrativa, que não se coíbe de intervir, de comentar, de estabelecer paralelismos entre o passado e o presente, perspetivando diferentes momentos históricos.

A narrativa é a verdeira pérola deste livro, esta escrita intencional que Sontag assume de pleno direito, comentando, observando, refletindo, desvendado, levantando hipóteses, contaminando com o seu feminismo inteligente a forma como conta a história. Dessa forma, o livro vai-se renovando a si mesmo, até culminar nos últimos capítulos em que esta voz demiúrgica cede o lugar à voz e fala das suas personagens...

Talvez tenha dito demais, talvez haja aqui algum spoiler, mas não se preocupem o livro tem tanto para dar, ainda há margem para surpresas... procurem a mulher portuguesa, ela também merecedora de ser personagem de um romance; a voz de Emma, a voz de Hamilton. Esta obra já está ali num lugar especial da estante e do meu coração de livros.

18
Set24

#35/2020 - Tomás Nevinson, Javier Marías: caleidoscópio do bem e do mal.

livrosparaadiarofimdomundo

Tomás Nevinson

Alfaguara

656 páginas

Foi agosto outra vez e repeti um livro de Javier Marías, desta vez, Tomás Nevinson, que dialoga com Berta Isla, que foi o meu agosto de 2023. Desta forma, Javier Marías vai-se consolidando como escritor de culto. Só por causa das coisas, logo de seguida li Coração Tão branco, mas vamos com calma que não foi desse que vim aqui falar.

Comecemos pela minha introdução à obra de Marías. O primeiro livro dele que me veio parar às mãos foi Enamoramentos, que me enfadou, de maneiras que não terminei a leitura. Senti uma espécie de Marías exclusão, pois era um escritor que via sempre muito bem cotado e a mim nada... Depois li Berta Isla e fiquei cheia de vontade de ler Tomás Nevinson,  e agora eis-me aqui rendida a este escritor: complexo, intrigante, profundo, inquiridor.

Tomás Nevinson é o marido de Berta Isla, que entra para os serviços secretos britânicos por circunstâncias estranhas. Dada a sua profissão, ele é e não é, está e não está, existe e não existe, faz e não faz, como tão bem o define o seu chefe Bertram Truppa. Em Berta Isla, Tomás é quase personagem secundária, como se o escritor mimetizasse no romance o secretismo da sua profissão. O leitor sabe o que Tomás faz, mas isso é traçado a pinceladas vastas e genéricas, nunca uma missão sua é devassada, só a sua intermitência na vida de Berta. O que é trazido à luz é o impacto dessa intermitência na vida de Berta, essa descontinuidade que a desagrega e a vai indefinindo na sua condição de mulher de Tomás.

Neste volume, Tomás é o protagonista, é Berta que é deixada na sombra. Regressado à ação, mais uma vez devido a Bertram Truppa, Tomás aceita uma missão, que lhe devolve algum sentido à existência. No entanto, o início do livro é decisivo para a tese que se vem a enunciar: havendo a possibilidade de se ter assassinado Hitler e, dessa forma, impedindo todo o mal que conhecemos, esse ato é legítimo ou ilegítmo, ou como conclui uma das personagens, estando o nosso destino traçado há alguma forma de lhe escaparmos? Esta questão, podemos decidir quem vive e quem morre e em nome de que valores, estrutura toda a narrativa. Tomás terá de decidir para levar a bom porto essa missão, ter esse poder enorme, legitimado até, sobre se uma mulher pode viver ou se deve morrer. 

Para além desta equação que estrutura a história, a qualidade do livro está definitivamente na escrita. Marías é um escritor-leitor, percebemos que muita da sua cultura e erudição são matérias primas que cimentam a escrita. Todo o livro é diálogo, exegese, questionamento sobre a ambiguidade em que nos movemos, quem está do lado do bem e do lado do mal, quem tem legitimidade e quem não a tem, sendo os serviços secretos, ao serviço de quem efetivamente estão, e se em lugar de serviços secretos a bem de todos, forem, antes, interesses secretos, a bem de gente obscura? Essa nota de ambiguidade mantém-se em múltiplos aspetos do livro, até na cidade do Noroeste de Espanha, recôndita, provinciana, para a qual Nevinson se muda, e que nos interrogamos continuamente acerca da sua localização, será Ourense, será Lugo, será outra qualquer, ou um pouco de todas elas. 

Enfim, será difícil despertar o interesse para a leitura, quando se escrevem textos longos, de maneiras que me fico por aqui, talvez incompleta, talvez ambígua, mas rendida a Javier Marías, que se vai agigantando nos meus gostos de leitura. Vale a pena ler.

 

04
Jul24

#11/2024 - Apneia, Tânia Ganho:

livrosparaadiarofimdomundo

Apneia

Casa das Letras

690 páginas

Às vezes, apetece-nos mergulhar num livro de cabeça, abandonarmo-nos a ele e deixar que essa leitura nos absorva, enquanto durar. Foi nesse estado de espírito que peguei neste livro. Recomendadíssimo por uma amiga, que partilha comigo muitas leituras e um gosto muito semelhante, sabia, à partida, que não me iria desiludir. O livro é extenso e prometia boas horas de leitura. Hoje, à distância de uma semana, penso nessa amiga, a entrar no gabinete e a dizer-me "tens de ler este livro." Ela sabia o que estava a dizer.

Não resistindo a um trocadilho fácil, diria que lemos este livro em apneia, tal a intensidade das suas páginas. É quase uma armadilha, o leitor chega ali, desprevenido, lê dois ou três capítulos (os capítulos são curtos) e é, literalmente, fisgado e arrastado para a narrativa. 

O livro conta a história de Adriana que abandona o marido Alessandro, levando consigo o filho de cinco anos e é partir dessa decisão que a narrativa ganha fôlego. Em minha opinião, todo o livro evidencia uma enorme inteligência na sua composição, a estrutura mimetiza a mensagem. As primeiras páginas são ainda evasivas, incertas, ainda não conhecemos Adriana, aquele casamento parece ter alguns porblemas, alguma instabilidade, mas pouco percetível, porque a verdade é que os danos são subtilmente inflingidos, de maneira insidiosa, minando a integridade psicológica de Adriana. É ao longo da leitura que nos é revelado o alcance do mal. Alessandro é metódicamente cruel, meticuloso no mal que exerce e Adriana é remetida à metáfora da rã mergulhada na água que vai aquecendo até a aniquilar, porque a habituação a impede de reagir aos sinais de alarme. É este o tipo de violência de que Adriana é objeto. Outro aspeto a sublinhar é, pegando num conceito da teoria literária, o facto de Adriana ser verdadeiramente uma personagem modelada, que se transforma e se transfigura num processo que começa no instante em que abandona o seu casamento. Há uma trajetória demorada que leva a personagem de uma espécie de passividade e apatia à mulher que bate o pé, diz não, enfrenta e confronta, recorre a todos os meios para se salvar a si e ao filho do polvo maldoso que são as ações despudoradas do seu agressor, porque, sem levantar um dedo, o marido é um predador, um manipulador, uma aranha que tece a teia onde os incautos se deixam enredar. O ritmo da narrativa é, por isso, muito mais rápido no final do livro, precipitando os acontecimentos. A construção das três personagens, pai, mãe e filho, é uma das chaves da qualidade deste livro, são todos inesquecíveis. O embate de Adriana com uma justiça lenta, enviesada por narrativas contraditórias, quase preguiçosa, negligente ou excessivamente cautelosa, revela uma dimensão escondida de todas as questões ligadas à violência doméstica e às situações de todo e qualquer abuso, terreno minado onde ninguém parece querer aventurar-se, arriscar, procurar a verdade. A extensão do livro espelha estes meandros de lentos avanços e demasiados recusos, de profunda impotência, solidão e revolta das vítimas, condenadas inexoravalmente à dúvida, à descrença, a rótulos que comprometem a fiabilidade das suas narrativas. É kafkiano! Adriana e o filho são fustigados por uma inércia que parece favorecer sempre o agressor. 

Dizia a minha amiga: "É um livro que nos persegue", eu digo que nos assombra, mas criamos uma tal empatia com Adriana e o filho, prendemos a respiração juntamente com eles e corremos pelas páginas na esperança de que ambos encontrem uma saída da teia malevolamente tecida à volta deles, ansiando para que se libertem, venham ao de cima, inspirem finalmente o ar de que precisam e consigam, enfim, deixar de viver em apneia.

Que leitura!  que difícil que é fazer-lhe justiça. 

Não deixem escapar este livro, é poderoso, impregna-se em nós e obceca-nos. Adoro este efeito de um livro em mim. Que experiência de leitura.

27
Jun24

#10/2024 - A voz das Mulheres, Miriam Toews: ethos e logos.

livrosparaadiarofimdomundo

 

Alfaguara

240 páginas

Mais uma vez a Alfaguara continua a ser a editora que melhores horas de leitura me tem proporcionado...

A primeira vez que vi este livro, nem sequer li a sinopse. É verdade, parecia-me que, pelo título, não seria bem um livro para mim. Vai daí, mantém-se a veracidade da sabedoria popular: quem desdenha quer comprar... Na Feira do livro de Lisboa, a minha filha falou-me nesta obra, referindo que as críticas eram boas, concedi ler a sinopse e ainda não foi aí que ele me interpelou. Mas uma mãe tem tendência a fazer a vontade à filha e o livro veio para casa. Foi o primeiro que li no (abundante) rescaldo da feira do livro... que pena seria se não lesse este livro! Comecemos, por isso, pelo fim, é, das leituras deste ano, a que recomendo com mais veemência. A dizer a verdade, este ano tenho muito para recomendar!

A voz das mulheres parte de um episódio verídico. Numa remota comunidade menonita, algumas mulheres são vítimas de violência sexual, que os homens começam por atribuir a demónios e ao castigo pelos seus pecados. No entanto, a verdade revelada é bem atroz. As mulheres tinham sido sedadas por alguns homens da comunidade para as violarem repetidamente. Dito assim, a questão que se coloca é para quê ler este livro? Mas é que o livro não se debruça sobre a narrativa dessas atrocidades, antes sobre a forma como estas mulheres tentarão superá-las e sobreviver-lhes, resgatando a sua vontade e, pelo caminho, a sua dignidade, grandeza e coragem. 

A narrativa concentra-se - quase à maneira das tragédias clássicas pela concentração espácio-temporal - em duas sessões secretas que as mulheres levam a cabo para discutirem o que fazer sobre o que lhes aconteceu. A tessitura dessas conversas é que torna o livro interessante. Há páginas inesquecíveis neste volume. As mulheres discutem a sua condição, o perdão, a existência de Deus, a maneira como se posicionam face aos imperativos da comunidade a que pertencem, dividem-se entre a sua identidade e a sua dignidade. São seres apenas de palavras, são o seu prórpio discurso e é pelo discurso que crescem, superam as grilhetas que as oprimem, revelando-se seres heróicos, dotados de uma improvável capacidade de amar. Enfim, estas são das páginas mais belas que já li em livro. 

O que me parece extraordinário é a forma subtil como o horror vivido por estas mulheres é revelado ao longo do livro, sem sensacionalismo, mas com crueza, nunca em quantidade, são pouquíssimas as revelações feitas, mas irrompem com uma força que nos dilacera e abala inexoravelmente. Diria que a autora, mais do que uma contadora de histórias, é uma fazedora de histórias, no sentido em que as tece, que as urde, palavra a palavra, revelando tudo, sem o dizer diretamente. É a arte de dizer, é ser pela palavra, porque é através do silêncio que se anula o outro, é quando não o validamos, quando não o reconhecemos que lhe roubamos tudo, a identidade, a dignidade, a existência. O facto de as mulheres terem recuperado a sua voz é que lhes permite libertarem-se do jugo, da violência. Por isso este livro, mais do que ação, é manifesto como potenciador da ação, da coragem, da descoberta pasmada de que as mulheres podem tomar o seu destino nas mãos.

Talvez nenhuma destas palavras faça verdadeira justiça a este romance extraordinário, mas não desdenhem, mercemos este livro!

23
Jun24

“Sempre imaginei o paraíso como uma espécie de biblioteca.”*

livrosparaadiarofimdomundo

“Sempre imaginei o paraíso como uma espécie de biblioteca.”*

Esta frase de Borges aquilata, sem margem para dúvidas, a relevância da biblioteca e, claro, da biblioteca escolar, como espaço de informação, de aprendizagem, de conhecimento - numa perspectiva mais funcional - mas, igualmente, de prazer, de bem-estar de apaziguamento, de desconexão, de crescimento e de tranquilidade – numa perspectiva mais simbólica. Todas estas formas de viver e de fruir a biblioteca se ajustam à escola e à missão da escola junto da comunidade que a orbita.

Quem ama os livros e a leitura – é crucial que a palavra amor seja aqui declinada – ama igualmente as palavras e quer conhecê-las. Biblioteca é uma palavra composta de dois vocábulos gregos: biblion (livro) e teke (caixa ou depósito). No caso vertente, a etimologia desilude, como se uma biblioteca pudesse ser apenas uma depósito, ou uma caixa de livros, que remete para a ideia de arrumos de coisas inertes! Para mim, palavras (e os conceitos que elas arrastam), como lugar; livre acesso; paisagem; refúgio; vozes; espíritos; cultura; diálogo; viagem; empatia; mito; tempo; memória; mistério; claridade… sempre fizeram parte do campo semântico da biblioteca. Estas que escolhi traçam em breves apontamentos a convergência do meu ideário com o de Borges. Um lugar onde seja possível ter, sentir e fazer o que estas palavras prefiguram é, se não um paraíso, um lugar ideal, que existe e existe na escola.

Como lugar de livre – digam a palavra como quem a saboreia – acesso, a biblioteca é democrática, acolhe todos os que amam os livros, mas igualmente os que os entendem como objectos maçadores, procurando aí o digital e o livre acesso a outras formas de conservar e de aceder à informação e ao conhecimento. O livre acesso é gratuito, logo a biblioteca promove a igualdade, atenuando assimetrias que noutros espaços se tornam mais nítidas.

Há poucas paisagens tão emocionantes como a sucessão de estantes carregadas de livros, mimese da ordem do universo, cujas entradas codificadas são como mapas, podemos ir pelo autor, pelo título, pelo género, ou podemos simplesmente perder-nos, percorrer com as pontas dos dedos as lombadas dos livros, permitindo que um deles, por fim, nos interpele e nos convoque à comunhão com o autor e as suas palavras. É igualmente uma paisagem que nos permite fugir da dureza do quotidiano, da barbárie, do medo e da angústia. Mergulhar na leitura de um livro, está provado cientificamente, acalma o espírito, desvanece as angústias, liberta-nos das tensões, tem quase o efeito de uma noite bem dormida. Se nos entregarmos à leitura por alguns instantes, o nosso espírito fortalece-se, serena e começamos a respirar melhor. Pérez-Reverte, numa entrevista, belíssima, concedida a um jornal português, dizia que, quando o mundo se lhe tornava insuportável, refugiava-se na sua biblioteca e relia os seus autores preferidos, entre eles Pessoa.

Tenho quase a certeza que, se ficássemos, por acidente, fechados numa biblioteca durante a noite, no silêncio profundo, e se soubéssemos escutar, ouviríamos o murmúrio dos muitos autores aí guardados, em diálogo constante, numa espiral que se alimenta de si mesmo e que se alarga como os círculos na água, simultaneamente soma e multiplicação. Como não é conveniente que fiquemos fechados numa biblioteca, para abrir esse portal de acesso a um mundo fantástico, onde convivem fora do tempo e do espaço, autores de ontem e de hoje, ideias velhas que se mantêm frescas e ideias novas cujo fulgor brilha com mais intensidade por serem resultado das muitas ideias que as precederam, porque tudo é memória, para tudo isso, basta a aventura, o risco de abrir um livro, melhor se forem muitos livros, e de nos abandonarmos a eles. Viajaremos até lugares reais e fantásticos, experimentaremos todas as sensações, conheceremos todos os sentimentos. Fechado o livro, seremos maiores e melhores do que éramos antes daquele livro, porque a leitura nos torna maiores do que somos, mais livres, mais esclarecidos, mais empáticos, mais conhecedores.

Regresso a Borges, que também disse: “chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve.”, que é um pensamento belíssimo e que atribui ao leitor, ao sujeito de curiosidade, de aprendizagem, uma dimensão inaugural, pois que , sem leitor, o livro está morto. Este poder, de ser, de fazer, de sentir, existe nesse lugar mágico, próximo, de livre acesso, que é a biblioteca e, se for escolar, mais ainda. Aí poderemos incluir todos os alunos, independentemente da sua origem e do seu contexto, aí poderemos cuidar da saúde mental das nossas crianças e jovens, aí poderemos levá-los a aprender e a cultivar os valores de uma cidadania esclarecida, democrática, tolerante e aberta ao outro, aí poderemos ceder-lhes diferentes formas de informação e conhecimento, aí poderemos mostrar-lhe que a memória e a cultura são inalienáveis, aí poderemos educar-nos para os direitos, aí poderemos cumprir a nossa missão, porque a biblioteca é o coração da escola.

Assim, as bibliotecas escolares do Agrupamento de Escolas de Cister são agentes de transformação e de inclusão, são parceiras inalienáveis na concretização dos objetivos do projeto educativo, são parte de todos os projetos que abraçamos, são inspiração para uma ação educativa flexível, inovadora, humanista, tecnológica, ética e estética. Não imagino as nossas escolas sem as suas bibliotecas.

13
Mai24

Poema I

livrosparaadiarofimdomundo

Poema I

 

Naquele dia, vi

que a felicidade é feita de luz,

de água e de céu ao anoitecer,

sussurros de rosa, azul, lilás,

de verdes vultos recortados

e do som dos pássaros 

quando se recolhem.

A nós, basta-nos ver

com todos os sentidos.

 

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