#10/2020 - Britt- Marie Esteve Aqui [e ainda bem], FredrikBackman
Editora: PortoEditora
Género: romance
Páginas: 299
Para Guardar:
"São precisos anos para conhecer um ser humano. Uma vida inteira. É isso que torna uma casa num lar";
"Não sou o tipo de pessoa que salta";
"O que é o amor, se não é amar aqueles que amamos, mesmo quando não o merecem".
Conheci a Britt- Marie através da sinopse do livro e as suas características obsessivo-compulsivas atrairam-me desde logo. Lembram-se de um filme com o Jack Nicholson e a Helen Hunt, Melhor é impossível [recomendo muito], em que a personagem de Nicholson era assim também? Agarrado às suas rotinas diárias e qualquer desvio o deixava transtornado. Pois bem, Britt-Marie é desse género.
Uma dona de casa, esposa exemplar, a viver em função das necessidades do seu marido vê-se, de repente, atirada para fora da sua zona de conforto - o seu apartamento, a sua cozinha, o seu lava-louça, o seu quarto, imaculadamente limpos e organizados - por força das circunstâncias. É preciso reaprender a viver, mas não é um processo fácil, porque Britt- Marie é muito pouco flexível. Faz lembrar também o Sheldon de A Teoria de Big Bang pelo facto de ser muito direta e absolutamente sincera em tudo o que diz. O seu mantra poderia traduzir-se em qualquer coisa como "perfeitamente adequado". A adequação da linguagem, dos gestos, da entoação, da forma de vestir, de caminhar, de estar, pautua a sua vida e a impressão que colhe dos outros. Britt- Marie, a dada altura do romance, define-se como não sendo uma pessoa que não salta, ou seja, nunca arrisca. A verdade é que essa atitude vai sendo clarificada ao longo do livro, afinal ela teve de se proteger e de se defender da forma como a vida e as pessoas a trataram para não arriscar, estreitando cada vez mais o seu raio de ação.
No entanto, a ação leva Britt-Marie para um cenário improvável, com pessoas não muito adequadas que a vão conduzir a descobertas muito interessantes e a uma metamorfose que modificará não só esta personagem, como também todos aqueles que com ela contactam e que, graças ao facto de serem disruptivos, conseguem entrever a verdadeira natureza de Britt- Marie.
Outros ingredientes desta história que a tornam invulgar: uma ratazana, uma equipa de futebol, um centro recreativo. Mas o que mais se destaca é a forma como o discurso do livro está "perfeitamente adequado" às características da própria Britt- Marie. Se ela saísse do livro e se sentasse connosco na sala, seria assim que se expressaria, de forma perfeitamente adequada às circunstâncias, mas, dada a sua inabilidade social, seria muito provável que fôssemos das gargalhadas à perplexidade devido ao inesperado das suas observações. Quanto ao futebol, metáfora e leitmotiv, traço distintivo das personagens, nunca me pareceu um desporto tão interessante como nestas páginas.
Em suma: quer uma leitura agradável, surpreendente, divertida, doce, enternecedora, comovente, que dispõe bem? Gosta de ir das lágrimas ao riso sem transição? Aprecia personagens literárias que parecem pessoas e a quem julga conhecer e a quem se sente tentado a tratar por tu? Assim quase um antidepressivo natural? Vá ler Britt-Marie esteve aqui. Será como o melhoral, faz mais bem que mal.