#1/2023 - A Família Netanyahu, Joshua Cohen: o encantamento
D. Quixote
263 páginas
Balanço do ano: 2023 está a correr muito bem! Não, não me enganei, é mesmo de 2023 que estou a falar e isto porque acabei de ler um livro que é mesmo muito satisfatório, que me deixou muito divertida, surpreendida e também comovida, pois encontrei nele referências que estruturaram a minha cultura e o meu pensamento.
A primeira vez que ouvi falar neste livro foi no Programa cujo nome estamos proibidos de dizer e já não me lembro quem dos "ministros" o recomendou, mas ficou-me a referência. Depois cruzei-me com ele na lista de livros publicado pelo Expresso (leio-a sempre com muita atenão, pois já de lá tirei muito boas sugestões de leitura) e, por fim, a minha filha, sábia como ela só, incluiu-o nas minhas prendas de natal (parei aqui a refletir na utilização de prendas em lugar de presente, mas prenda tem mais a ver com a minha infância, portanto fica prenda).
Foi a minha primeira leitura do ano, e que leitura. Eu que já tenho medo de publicidade a livros, de grandes entusiasmos e que já começo a ter medo de ter opinião, que é muito arriscado não ir na corrente e por-me em desacordo com hordas de gente que é toda da mesma opinião que alguém manifestou aos gritos. Pois bem, toda a publicidade é merecida, justificada e fica muito aquém desta experiência de leitura.
O brilhante autor deste livro foca-se num episódio mais ou menos marginal da família Netanyahu, da qual sairia o famoso Benjamin Netanyahu, que entra no livro ainda como criança, e parte dele para traçar uma narrativa surpreendente, a beirar o caricatural, com diálogos hilariantes, em que os intervenientes parecem estar cada um a ter a sua própria conversa. Dito assim, o romance pode até parecer superficial, leviano, anedótico, mas essa é só a primeira camada. O autor demonstra um domínio narrativo impressionante, pois inclui factos relevantes para a história dos judeus, erudição literária e política, espírito crítico, sarcasmo transversal, conhecimento do ambiente de corte do mundo académico, uma visão satírica das famílias americanas e, dentre estas, das famílias judias na América. E isto tudo, que parece uma manta de retalhos, está muito bem tecido e faz um sentido enorme e todas as peças parecem importantes para o conjunto. Se ficaram interessados e vierem a ler o livro, depois venham contar-me o efeito que vos causou a última frase do romance.
Saliento ainda uma peça do livro que, para mim, formada em humanidades, foi tão importante como o romance propriamente dito, o capítulo "Créditos, incluindo um especial", no qual o autor contextualiza e aprofunda alguns factos que romanceou no seu texto. Desse texto faz parte um testemunho da relação que o autor manteve com Harold Bloom, que foi quem lhe contou o episódio central do romance, que é enternecedor, talvez, porque também eu li sempre Bloom com muito interesse. Por fim, guardem-se para o último documento de todo o livro - não há spoiler aqui, já que o efeito surpresa é fundamental - e preparem-se para soltarem umas boas gargalhadas, não sem evitarem alguma surpresa e até perplexidade.
A sério, deixem-se convencer e vão ler este livro.
A continuar assim, 2023 será um grande ano. Li uma daquelas frases de facebook, que desejava maios ou menso isto: que todos os dias deste novo ano nos levassem a dizer que estava a ser o melhor ano das nossas vidas. Em termos literários já pude dizer isso.