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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

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Livros para adiar o fim do mundo

04
Mar25

#1/2024 - Ainda estou aqui, Marcelo Rubens Paiva: da importância da memória

livrosparaadiarofimdomundo

Ainda Estou Aqui

D. Quixote

270 páginas

Começava a falar-se com insistência sobre o sucesso do filme, realizado por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, homónimo deste livro, quando me apercebi que a fita era baseada num livro. Ora havendo um livro, diz a ciência - a partir de estudos realizados por leitores que são cinéfilos -, que o livro é quase sempre melhor que o filme. Daí que comecei pelo livro. Ao dia de hoje, já depois do Oscar para melhor filme estrangeiro, ainda não vi o filme, estará para breve, mas li, isso sim o livro. Desfaço já as dúvidas: gostei muito. Em termos de significado está ali a nível do Somos o Esquecimento que seremos. Aliás uma análise comparativa dos dois daria um estudo muito interessante. Um dia destes, curiosamente, apercebi-me que Carlos Magno, o apresentou como sugestão de leitura no momento do seu comentário semanal na CNN. E bem, e bem, a recomendação é pertinente.

Ainda estou aqui é um livro de memórias sobre a memória de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice Paiva e de Rubens Paiva. Glosando várias abordagens sobre a memória, a que conservamos, a que perdemos, as que devemos preservar e resgatar, a propósito da doença da mãe, que tem Alzheimer, de cujas brumas lhe é cada vez mais difícil voltar. Com esse  mote, Marcelo Rubens Paiva vai resgatar a luta da mãe contra a ditadura e contra outras formas de opessão, assim como a história da sua família, para sempre condicionada pelos acontecimentos de 1971, em resultado dos quais o pai foi preso, durante os tempos da ditadura no Brasil, vindo a morrer na prisão, sem que a família tivesse conhecimento do seu destino, tendo de esperar longos anos até que a versão oficial fosse finalmente desmentida e que a verdade emergisse para que a família fizesse enfim o luto, para que eunice pudesse enfim ver esclarecido o seu estatuto civil.

Por um lado, temos essa imaersão nos tempos da ditadura e somos confrontados com os desmandos do autoritarismo, com a crueldade de um regime que, obviamente estava mais preocupado com a sua sobrevivência do que com a segurança dos cidadãos. Mais uma vez, a literatura recupera, expõe, resgata do esquecimento episódios que nunca deviam ser esbatidos para que não corramos o risco de ver a história repetir-se... e, no entanto, eis a história a rir-se na nossa acara, a repetir-se e a reinventar-se. É um libelo a favor da cidadania, da liberdade, da justiça e da humanidade.

Por outro lado, temos a figura de Eunice Paiva, quando casada, esposa a caber dentro de um certo modelo de mulher, mãe de cinco filhos, sem profissão. Depois da sua travessia pelo horror de se ver presa, assim como a sua filha mais velha, no mesmo dia em que o marido foi preso, vindo a morrer em resultado da tortura, Eunice empreende um longo caminho de resistência, que passa também pela sua reinvenção enquanto mulher e quanto ao seu papel na sociedade. Volta a estudar, torna-se advogada, defendo os direitos dos indígenas e procura a verdade sobre o que aconteceu a Rubens Paiva de maneira insistente e persistente até, muitos anos mais tarde, a conseguir e... uma certidão de óbito.

Eunice personifica a resistência, assertiva, digna, orgulhosa e convicta. É uma resistência sem concessões, que recusa a vitimização, cujo expoente máximo - já confundindo o livro com as muitas imagens do filme, com a fotografia que é capa do livro e cartaz do filme - é a célebre frase "Vamos sorrir. Sorriam", pronunciada por Eunice, quando a família é fotografada para uma revista, já na ausência de Rubens Paiva, recusando-se a ceder perante os desvarias de uma ordem que vinga pela força. O livro dá conta da sua coragem e dignidade públicas, em oposição ao sofrimento e às lágrimas privadas.

Vale a pena ler, porque precisamos de conhecer para avaliar, de lembrar para evitar, de nos comovermos para podermos recusar, de nos mantermos alerta. São estranhos os tempos que vivemos, talvez devamos sorrir também como forma de resistir.

Vou agora ver o filme e depois hei de escrever sobre ele.

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