#12/2020 - O Carteiro de Pablo Neruda - humor e ternura em livro
Editora: Teorema
Páginas: 120
Género: romance
Adquirido no OLX - correu muito bem.
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"A poesia não é de quem a escreve mas sim de quem a usa"
Este pequenino romance lê-se de um fólego, e não é apenas por ter poucas páginas é porque nos embala em poesia. É, efetivamente, um romance maravilhoso, delicioso, enternecedor e comovente, plangente como um longo tango.
A ação do livro é sobejamente conhecida, sobretudo por causa do filme, que lhe faz a maior justiça, até porque o último recupera os diálogos fantásticos entre o poeta e o seu carteiro. Partindo da premissa que Pablo Neruda tem uma casa na Ilha Negra, recebendo copiosa correspondência, o que justifica que se abra um lugar de carteiro, ocupado por Mário Jimenez que, ao contrário da maioria dos habitantes da ilha não quer ser pescador. Estas circunstâncias insólitas levam ao nascimento de uma amizade improvável que nunca poderemos esquecer.
No prefácio da obra, o autor insiste em apequená-la, pela sua dimensão, comparativamente a outras obras de vulto suas contemprâneas, como Conversa na Catedral, de Mário Vargas Llosa, por se confessar um preguiçoso, por ter levado catorze anos a escrevê-la, mas, quanto a nós, foram bem gastos dada a beleza do resultado final.
A verdade é que Antonio Skármeta conseguiu criar duas personagens gigantescas. Se a Neruda nos rendemos pela sua grandeza história, a Mário rendemo-nos pela poesia do seu espírito, pela sua ingenuidade, pela sua capacidade de amar e de se deslumbrar, tanto perante Neruda como perante a sensualidade da sua musa Beatriz. O ritmo narrativo é marcado pelos diálogos desconcertantes (na perspetiva de Neruda) entre estes dois, que acabam numa amizade imortal, já que o poeta terá um papel fundamental na conquista da bela Beatriz.
Destacam-se igualmente as marina da Ilha Negra. Aliás o livro é todo profundamente sensorial: as cores, os cheiros, os gostos, o tato, o olfacto, todos os sentidos são exacerbadamente convocados naquele ambiente, ao que se acrescenta o ritmo da música. Diria que é um livro que convida a ser lido a compasso das referências musicais que o pontuam. Há ainda o humor, a desenvoltura dos argumentos e contra-argumentos que as personagens vão digladiando, seja no âmbito da política, do amor, da música, das metáforas, da poesia. Por último, o pano de fundo histórico, os apontamento dessa tragédia que tem sido o devir do continente sul americano em geral e do Chile em particular: a ascensão ao poder de Salavador Allende, o consulado de Neruda em Paris, a atribuição do prémio Nobel, as greves, o golpe de Estado militar, a repressão, tudo ali se conjuga.
O Carteiro de Pablo Neruda, se me permitem a metáfora, é filigrana pura, é bordado delicado, é uma elegia, é prosa poética, é música celeste. A ler, a reler, o que quer que seja.