#13/2020 - O meu amor absoluto, Gabriel Tallent, ler pode doer (muito)
Editora: Relógio d' Água
Páginas: 347
Este livro tem sido o motivo pelo qual não tenho escrito de forma tão assídua no blog. Porque custa, custa muito e, no entanto, é crucial escrever sobre este livro e recomendá-lo.
Comecemos pelos paratextos. O título não é, como poderá parecer enganador, é, na verdade, bastante explícito sobre o conteúdo. Só que não da forma como imaginaríamos. Daí que a leitura e a verdade do título seja como um murro no estômago. Aqui pensei em não dizer isto, com receio de afastar potenciais leitores, mas fica assim como um penso rápido que é preciso arrancar sem contemplações. Esta leitura é como um murro no estômago, não uma, mas várias vezes. Já o texto da contracapa revela-nos que se trata da obra de estreia de Gabriel Tallent e... o trocadilho com o nome impõe-se. Gabriel é um talento na escrita. Uma revelação a acompanhar atentatamente. Tomemos nota.
A relação do leitor com este romance é um bocadinho o reflexo da relação que Turtle, a personagem feminina, de 14 anos, mantém com Martin: somos brutalizados pelas descrições, a violência das descrições apanha-nos tantas vezes desprevenidos como Turtle perante Martin. Ainda assim, defendemos este livro e recomendamo-lo muito. É minha convicção que a arte, a literatura, não tem de ser panaceia. O objeto artístico tem como primeira função interpelar-nos, incomodar-nos e este O meu amor absoluto cumpre com excelência esse papel. Com disse, de maneira muito feliz, a amiga que mo emprestou "É um livro que nos persegue". É verdade! Às vezes, lemos livros que apenas nos passaram pelas mãos, de que mais tarde apenas lembraremos o título na nossa enciclopédia pessoal. Mas este não, este fica gravado e, se me pedissem, seria capaz de recontar toda a história e até falar da impressão com que se fica desta leitura.
Da leitura fica uma forte impressão de silêncio, o silêncio das vítimas. Todo o texto é profundamente introspetivo. Mergulhamos a fundo no espírito de Turtle, testemunhando catarticamente a forma como a violência a moldou e a preparou para enfim a superar. Depois temos a natureza, exuberante, selvagem, pletórica que cerca as personagens de cor, de vida, de veneno, de emaranhados, de fungos. Toda a diversidade da natureza há de ali estar como reflexo do que o livro nos pretende ensinar. A omnipresença das armas, a forma simbólica como o cuidado com as armas constitui uma aprendizagem para cuidar de outros. O mar, como pano de fundo, símbolo crescente do perigo e dos escolhos onde nos podemos ferir.
É uma leitura fácil? Não! Mas há, apesar de tudo, beleza neste texto, uma beleza estranha e que até agora não consigo definir. Sinto-me culpada quando penso que gostei deste livro, como se este não pudesse ser um livro para se gostar, como se daí viesse uma espécie de culpa.
Quem se atreve a ler?
Fico na expectativa de que o leiam e que, depois, venham a correr "falar" comigo.