#15/2021 - A Cadela, Pilar Quintana: um livr perturbador e inquietante
Editora D. Quixote
128 páginas
Numa segunda ida a uma livraria física, neste ano da desgraça de 2021, vim de lá com um braçado de livros - já sabemos que eu tenho uma adição - criteriosamente escolhidos: queria muito por pouco, queria diversidade por pouco, queria livros que me tinham despertado a curiosidade por pouco, daí que tenha trazido 5 livros, cujo preço se situou entre os 12 e os 13 euros. Se isto não é critério, não sei o que seja.
Entre eles, veio este A Cadela, de Pilar Quintana.
Começando por alguma motivação, é um livro pequenino, tem 128 páginas, com capítulos curtos, a impressão é numa fonte que facilita a leitura, é leve... e acabaram-se as facilidades. A partir daí, do momento preciso em que se abre o livro e se mergulha na leitura - ah, não duvidem, é uma leitura imersiva, que prende, que absorve - a partir da primeira palavra, nada mais é fácil, tudo neste livro é duro, duro, duro, sobretudo quando levamos em linha de conta o lugar de onde o lemos, Portugal a ocidente da Europa (espero que a orientação esteja correta, que isto nunca foi o meu forte), no conforto de lares mais ou menos seguros.
Sublinhe-se o espaço, desde as praias pejadas de lixo, onde morrem animais envenenados pelos homens; os braços de mar, que dividem, verdadeiros obstáculos, as falésias vertigionosas, por onde se perdem vidas várias, os buracos disfarçados pela lama, por onde podem cair pessoas e animais, os limites da selva, permanetemente húmida, densa, ameaçadora, pejada de insetos gigantescos e de cobras venenosas. Mas também os elementos, as tempestades, os trovões, os raios, a chuva intermitente, ora a potes, ora cacimba, o frio, o calor sufocante. Tudo é de extremos neste ambiente.
Também a paisagem humana é igualmente desconjuntada, desconfortável, precária, as aldeias são distantes umas das outras, as ruas são sujas, as casas são velhas, o sal e o salitre contaminam tudo. A economia não chega a ser de subsistência, é mais de sobrevivência, mas proliferando o excesso de álcool, de drogas, de um certo desnorte. Ao fundo, sabemos que há zonas turísticas, diferenciadas, distantes e inacessíveis, de que vivem exilados estes seres quase fantasmagóricos que habitam estas páginas.
E temos Damaris, mulher já madura, angustiada pela impossibilidade de ser mãe, desiludida já, espécie de prisioneira desse mundo e de si mesma. No entanto, Damaris e Rogélio, cuidam de uma propriedade, revelando um labor consciente e consciencioso. Diria que o que define esta personagem é o sema do equívoco, de uma série de equívocos que se foram acmulando na sua vida, feitos de culpa, de violência, de tragédia, de esperança e desengano, de resignação. Há um crescendo em torno de Damaris que só pode levar a uma espécie de condenação, tudo é feito de arestas aguçadas na sua vida e as suas formas de resistência são tão inúteis quanto é inútil dominar a antureza.
E temos a cadela, a quem Damaris dedica o seu carinho, amor, esperança, abnegadamente, maternalmente, obsessivamente, e a cadela é isso mesmo, uma cadela...
A verdade é que, com pouco, muito pouco, mas cirurgicamente tratado, se cria neste livro uma atmosfera opressiva, que resulta disto tudo e de tudo o mais que não se chega a dizer, é como qualquer coisa que fermenta, que labora de forma subterrânea, mas que vai crescendo, crescendo, apertando, asfixiando, até se desesperar por uma forma de libertação, às vezes, um equívoco.
Não sei se isto chega a ser uma recomendação, é mais um aviso, quem for afoite, quem tiver coragem, quem não se deixar atemorizar, que experimente ler o livro. A mim, perturbou-me, mas ainda bem que li...
Já alguém leu? Que vos pareceu?