18/2021 - Seda, Alessandro Baricco: nunca sabemos os porquês
115 páginas
Releitura
Há dias, ao olhar os título da estante, deparei-me com este Seda, de Alessandro Baricco. Trata-se verdadeiramente de um opúsculo de 115 páginas, com capítulos curtos, a lembrar a exatidão dos Haiku. E apeteceu-me relê-lo, o que rendeu um curto serão de leitura muito bem passado.
Tinha-o lido em agosto de 1999. Lembro-me que, nessa época, quando terminavam as aulas, ia a uma livraria e comprava sacos de livros. Deste lembrava-me nitidamente de uma intensa paixão, de uma francês fascinado por uma concubina japonesa, misteriosa e inacessível. Pois lembrava-me de pouco e mal.
Do que não me lembrava era da delicadeza deste livro, do cuidado colocado na linguagem, da forma como tudo o que acessório tinha sisdo varrido. O romance copia a subtileza e a leveza da própria seda, matéria preciosa e rara na Europa do século XIX, criando uma atmosfera insólita, exótica, etérea, feita de gestos contidos, meticulosos, pensados. Numa das passagens, diz-se que a mulher do protagonista quando tomava nas mãos uma túnica de seda era como se agarrasse o vazio, o nada e quase acontece isso neste romance, tão poético é na forma como conta a história.
Há também a diferença cultural entre a Europa do século XIX, mercantilista, civilizada, crendo-se evoluída, e o Japão, do outro lado do mundo, quase feudal ainda, profundamente cerimonioso, regendo-se por leis, regras e costumes que é preciso respeitar sob pena de se perder a própria vida, bárbaro e ritualizado, mágico e perigoso para o "estrangeiro".
O mais espantoso é como é que um livro tão breve consegue desenhar personagens tão complexas, tão fascinantes, tão exatas e tão pouco nítidas, tão misteriosas e tão, mas tão belas. Poderíamos ser tentados a julgar que a bela japonesa por quem Hervé Joncour se perde e se arrisca seria a mais bela personagem do romance e, afinal, a bela Hélene, sempre fiel, sempre presente, sempre garantida, é a que se impõe no relato, não pela beleza da sua voz, mas por ser a verdadeira ave do paraíso que Hervé, tendo-a junto dele, não se paercebe da sua grandeza.
Dentre muitas passagens absolutamente primorosas, há uma que quase explica a índole enigmática do livro. A dada altura a voz do narrador, nitidamente a voz que escolhe o que é dito, afirma que "nunca nos lembramos dos porquês" e, na verdade, neste livro, nunca ficamos a saber os porquês, ou os como...
Mas, de um livro destes, não há muito a dizer, é preciso aproximarmo-nos dele como Hervé do lago da sua propriedade, fitando nele a fragilidade da própria vida, das certezas, como quem fita a água levemente agitada pelo vento, leve e inexplicável espetáculo. Calemo-nos pois.