#16/2020 - Quando éramos órfãos - Kazuo Ishiguro
Editora: Gradiva
Páginas:364
Cá em casa desde a feira do livro de 2018 (penso eu...). Enfim, escolhido para respeitar o princípio de começar a esgotar a biblioteca dos livros não lidos antes de comprar mais - escusado será dizer que tem exigido uma vontade férrea, o que me apetece comprar livros e eu, que até gosto de comprar on line, as saudades que tenho de uma livraria. Juro, juro. sou vaidosa, gosto dos meus trapinhos, gosto de deambular (pouco tempo) pela lojas, mas uma livraria, ah, é o mais próximo do paraíso na terra (também há ler na praia, mas nem vamos falar de paraísos que ficam noutro planeta.
Gosto de Kazuo Ishiguro, escreve com uma segurança a que é muito difícil ficar indiferente. Conduz com mestria assinlável o recurso ao fluxo de consciência, aliado a uma fluidez coloquial que nos envolve como se participássemos numa conversa com um amigo que nos conta uma história curiosa que lhe sucedeu com a preocupação de nos dar a conhecer todos os pormenores, mesmo aqueles que poderiam parecer dispensáveis. Esse é o primeiro encanto desta escrita e desta forma de narrar que, para mim, atinge o expoente máximo num outro livro, que é Os Despojos do Dia -hei de falar dele já a seguir, que écomo quem diz amanhão ou depois.
Nesta obra acompanhamos o detetive Banks numa investigação que o leva à Xangai da sua infância, onde perdeu o pai e a mãe, sem saber qual o seu destino final. Não. Estão enganados. O livro não é sobre o caso, nem é uma obra policial. Estão tão longe de ser isso como o está o Principezinho. Há referências, mas como um pano de fundo, um pretexto para explicar o motivo pelo qual Banks se encontra em Xangai. A verdadeira investigação é conduzida pelos mecanismos admiráveis da memória - tema que me é muito caro e que parece ser um tópico recorrente na escrita de Ishiguro - que recupera episódios fragmentados, que esforçadamente o narrador procura reconstituir na sua inteireza, mas introduzindo sempre o factor da dúvida, da reformulação, da reconstrução, o que nitidamente se afasta dorelato preciso, recortado e definido. É esse aspeto que seduz neste livro, cujo desenlace é agridoce.
Há depois a reconstituição de uma outra espécie de memória, a memória histórica dos anos que antecedem a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a forma um tanto autista como as peças se vão dispondo à frente de todos sem que se perecebam as implicações das jogadas política - mas é mais uma sugestão do do que a intenconalidade da obra -, a memória social de uma Inglaterra dos anos 30, encantandora no seu snobismo, nas suas convenções sociais tão bem refletidas na própria linguagem e discurso do livro. A galanteria, o cavalheirismo, o carismo de ditames sociais, por vezes ocos, mas deslumbrantes.
É um romance robusto! Como um café arábico, intenso e suave ao mesmo tempo, cheio de subtilezas e foi da subtileza que mais gostei.