#24/2020 - Cossacos, Lev Tolstói - viagem na minha estante
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 158
Origem: perdido na estante.
Tolstói é sempre Tolstói.
Cossacos, uma novela do Cáucaso é uma daquelas preciosidade que Tolstói nos deixou e que, por vezes, creio que ficam um pouco ofuscadas pelas suas obras maiores. O autor russo é mais do que Guerra e Paz ou Anna Karénina. Na contracapa da novela, transcreve-se uma apreciação de George Steiner que aproxima Tolstói de Homero sobretudo nestas obras menos complexas. De facto, Cossacos tem uma ação muito simples e que podemos contar numa linha, Olénin, um jovem moscovita, deixa a sua vida de conforto e junta-se ao exército russo em campanha no Cáucaso, apaixona-se por Marianka, mas não fica com ela. Pois, mas é Tolstói, é mais do que isso.
Temos, desde logo, o olhar do narrador que perambula pelas paisagens iemensas e impressionantes dessa zona do globo, dando especial atenção aos montes que dominam a paisagem. Os elementos da natureza estão omnipresentes na narrativa, quase um leitmotiv, a corrente do Térek, as suas águas turvas, a foresta densa onde Olénin caça, os montes de cumes brancos, a vastidão do céu, a doçura do verão, os pomares da povoação cossaca. Como se sabe, o próprio Tolstói fez o mesmo percurso que o seu herói moscovita, também ele se alistou no exército e também ele esteve quatro anos no Cáucaso, o que parece ter influenciado a sua obra e terá ditado algumas das linhas deste livro.
O olhar do narrador confunde-se muitas vezes com o olhar da sua personagem. Olénin contempla apreciativamente os cossacos, as cossacas, a simplicidade das suas vidas, o despojamento dos seus desejos, a beleza asimples e primordial das mulheres, o orgulho nas suas tradições. Moscovo, face à povoação cossaca onde está aboletado, parece a Olénin artificial, cansativa, maçadora, ao passo que o seu quodiano nessa zona remota o faz sentir uma vitalidade que desconhecia, um regresso a um qualquer sítio que lhe parece o mais próximo que pode conceber de felicidade.
Há depois a figura de Mariana, cuja orgulhosa atitude, simplicidade e majestade se vai insinuando no espírito do hóspede que se encontra alojado na isbá dos pais. Num primeiro momento, Olénin não distingue Mariana do meio envolvente, ela parece ser apenas um elemento daquela composição que o enleia. Mas, mais tarde, os seus olhos seguem-na quase obsessivamente e ela torna-se o único interesse de Olénin, caindo numa paixão que o domina. Há neste pequeno interlúdio qualquer coisa da novela de Carlos e Joaninha das Viagens na minha terra, com a diferença que Mariana é uma heróina mais máscula, não sofre do mal du siécle. Ela é forte, trabalhadora, orgulhosa, honrada e não são uns bonitos olhos de um quase príncipe russo que vão abalar a sua fortaleza e por em causa o seu modo de vida. Há também um eco subtil do livrinho Le silence de la mer, de Vercors, relacionado com a forma como Mariana resiste aos olhares, às insinuações de Olénin, ora alimentando-lhe os sentimentos, ora mantendo-se sempre a uma distância que a faz parecer inacessível.
As reflexões intimistas de Olénin reproduzem muito do pensamento de Tolstói que encontramos em outras das suas obras e que haveriam de desaguar na sua fuga da famílai para abraçar um estilo que vida que sempre almejou, mas que foi impedido de abraçar devido às convenções sociais. Há o elogio da vida simples, há o olhar contempaltivo que compara dosi mundos e duas formas de vida tão distantes entre si, um artificial, convencional, o outro livre, autêntico. enfim esse quase sistema filosófico que é possível completar através das obras de Tolstói.
Fui ali num instante ao Cáucaso, sei o que quer dizer evadir-se no tempo e no espaço, estive fora por umas horas e aptece-me também alistar-me no exército russo e ir pelas estepes ancoradas nos contrafortes de montes inacessíveis conhecer outras formas de vida. Ai ia, ia.
Mais uma resposta à pergunta: Porquê ler o clássicos? Porque está lá tudo.