Carta aos meus alunos 2020
Carta aos meus alunos de 2020
Dois mil e vinte, ou vinte vinte, ou outra forma de o dizer, talvez ano bissexto, ficará para sempre na nossa memória como um ano marcante. Dois mil e vinte quererá para sempre dizer COVID-19, porque a onda de choque só chegou em vinte, mas a contagem começou antes.
Mas temos outras opções…
Vou recordar para sempre a minha turma de 2020, os meus alunos de vinte vinte. Foram/são um conjunto de pessoas maravilhosas. Quando faço a retrospetiva deste ano letivo, não me lembro de uma única vez em que me tenha sentido zangada convosco, ou sequer desiludida. Entrar na nossa sala de aula significou sempre entrar numa zona protegida, onde esquecia ansiedade, os nervos, a tristeza, as responsabilidades que, às vezes, não me deixam respirar. Cada hora que passei convosco foi uma hora que valeu a pena. Vejam, eu não vou dar apenas vintes, eu não falo de avaliações, eu não falo apenas da excelência académica, eu falo precisamente do painel das diferenças, eu falo dos tímidos, dos negligentes, dos interessados, dos empenhados, dos assim assim, dos resistentes, dos críticos, dos empenhados. Eu falo de pessoas.
Não chego a saber se tem sido a idade que me tem amolecido, se já fui uma professora rígida, não sei se sou chata. Sei apenas que gosto muito dos meus alunos, sei que gosto muito de vocês e, hoje, nas vésperas de dar a última aula nesta ano de insólitos, sinto me comovida, saudosa, com uma sensação de perda terrível. A minha paisagem escolar vai ressentir-se durante muito tempo da vossa ausência.
Ao longo do ano, tentei mostrar-vos um lado da existência humana que as sociedades atuais tendem a esquecer: a arte, o espírito, a superação da nossa bestialidade, por via da educação para as humanidades - que não terão este nome por acaso, reúnem os saberes que nos educam para a realização máxima da nossa dimensão humana. É a arte que nos sublima, que nos salva, que nos define, que nos protege de todos os assomos opressivos, ditatoriais que todos os dias investem contra a nossa liberdade individual.
Levem convosco um pouco de literatura: não se conformem com o vosso lar, façam do sonho e da loucura, da ambição e da insatisfação o vosso lema de vida, o força que vos impele para o futuro. Eduquem-se, formem-se, não esqueçam as humanidades. Eduquem os vossos filhos. Vale a pena quando a alma não é pequena. Não deixem nunca que a vossa vontade abandone o corpo antes da morte, lembrem-se que são um pouco do ar que deus respira e que é preciso voar.
É gratidão que sinto, por ter feito parte da vossa vida. Enumero os vossos nomes, mentalmente, em todos os rostos pressinto um milagre, o dos adultos que vão ser.
É um ano estranho. Foi a primeira vez que escrevi uma carta aos meus alunos.
Vou ficar aqui a ver-vos erguerem-se nos céus, numa qualquer passarola movida com os vossos sonhos.