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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

29
Out20

#36/2020 - Em tudo havia beleza, Manuel Vilas: e agora, Manuela?

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Em Tudo Havia Beleza

Editora Alfaguara

400 páginas

Emprestado! A média anual vai bem, obrigada.

Ora bem, sabem quando saem de casa para passear e vão incomodados, porque sabem muito bem que não deviam ter saído, havia uma tarefa e não a fizeram. Mas era uma daquelas coisas que fazemos a custo, ai deixa-me lá adiar mais um bocadinho que agora não me apetece. Já estão a conseguir imaginar?

Pois bem, é assim que me tenho sentido a respeito deste livro. Já o li em agosto, ou melhor terminei a leitura em agosto, porque já andava com ele há tempo. Porquê? Porque é uma leitura penosa. Não escrevi logo sobre ele, mas sabia que teria de escrever. Não escrevi sobre ele, porque não tenho uma opinião definida.

Leio as críticas de tanta gente, talvez melhores leitores do que eu, e concordo com todas. São muito acertadas. Percebo-as, reconheço-as como legítimas, como aturadas e sábias. Mas continuo com uma ideia indefinida. Sim, o livro leva-nos numa viagem que nos alerta para a necessidade de amarmos, para a importância da memória como forma de resgatarmos o passado que não soubemos viver. Grita-nos para procurarmos a redenção da nossa efemeridade nos pequenos gestos, na procura de um encantamento que não deveríamos ter perdido ao passarmos pelos anos. O livro aponta-nos os nossos pais, força-nos a irmos à sua procura, a abraçá-los, a retê-los connosco enquanto o podemos fazer. Talvez seja nisto que reside a redenção do próprio texto, o facto de ser uma sacudidela, um balde de água de realismo para não andarmos por aí a achar que há garantias, que a felicidade, a beleza, o amor, a oportunidade estão sempre à nossa mão e que podemos escolher o tempo. Não é nada disso, a vida é acima de tudo efémera, breve, passageira, fôlego e, se sobrevivermos a quem amamos, será para nunca mais nos curarmos a dor da perda. Neste caso, Manuel Vilas ressuscita o seu pai, os seus pais, e há uma dor plangente em cada frase. É a queda, a queda reversível, papel amarrotado que nunca mais pode ser liso e incólume. A vida não nos deixa iguais, amassa-nos em dor e perda. 

Este livro é isto tudo, eu sou muito pouco de relatos cor-de-rosa. Quem tem paciência para ler o que escrevo, sabe que leio livros duros, que os considero necessários, que a arte não é entertenimento, é interpelação e incómodo. No entanto, este Manuel Vilas, sendo isso tudo e talvez mais pela nota carregadíssima de sinceridade, deixou-me tão desconcertada que até hoje não tenho uma opinião definitiva sobre este livro.

Podem perguntar, então para quê ler este texto? Desculpem, é sincero. Foi o Manuel Vilas que me ensinou.

 

 

28
Out20

#35/2020 - Manual para mulheres de limpeza, Lucia Berlin - uma descoberta maravilhada

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Manual para Mulheres de Limpeza

Editora Alfaguara

526 páginas

 

Depois de ler este livro, o primeiro que li desta autora, o comentário que me ocorre desde logo é: como é que só li Lucia Berlin tão tarde na minha vida? Sim, foi uma descoberta cheia de maravilhamento. A escrita de Berlin é única, surpreendente na sua força e no fascínio que exerce sobre nós.

Mas recuemos um pouco, antes de ler é importante conhecer alguns aspetos da vida da escritora que, mercê das muitas voltas que deu, lhe ofereceu experiências muito diferentes, o conhecimento de muitas formas de vida, as múltiplas profissões que exerceu, os altos e baixos de uma existência que ela soube verter em apontamentos autobiográficos nos seus contos, os filhos, os casamentos, a família, a mãe, a irmã. No entanto, tudo é sublimado numa moldura literária que poucos conseguem. Há que dizê-lo: Lucia Berlin é uma escritora magnífica. Que me desculpem os apreciadores de fenómenos como Elena Ferrante, mas Lucia Berlin é literatura no seu melhor, é arte. 

Assim que comecei a ler o livro, fiquei rendida ao ritmo narrativo. A forma magistral como se vai doseando o conhecimento desta galeria de figuras entre o trágico e o cómico, com predominância do trágico - porque, na verdade, a vida é muito mais trágica do que cómica- prende-nos logo. É daqueles livros difíceis de largar, em que damos por nós a pensar "só mais uma página" e foram cinquenta. Há depois um pormenor que explica um bocadinho esta imersão que nos leva a ir cada vez mais fundo nesta leitura: é o facto de muitos contos começarem in media res, isto é, como se entrássemos numa sala e escutássemos uma conversa que estava a decorrer e que nos chama a atenção e ficamos a ouvir, esquecidos do que se passa à nossa volta.

O texto da contracapa refere reverência por parte de críticos e leitores por todo o mundo, pois bem, serei mais um deles. Essa reverência nasce também da crueza com que as histórias são narradas: as drogas, o alcoolismo, os abortos, a fronteira entre os EUA e o México, o glamour de Santiago do Chile, as famílias disfuncionais, o ódio e o amor, o perdão, o regresso, a morte, a promessa da morte, o anseio pela morte, o amor, o desamor, a ilusão e o engano, filhos que morrem por os amarmos demais. 

Parece que o reconhecimento de Lucia Berlin chegou mais tarde à vida dela do que a sua escrita à minha. É sempre pena. Seria muito bom que o reconhecimento chegasse tão cedo quanto se merece. No entanto, devemos sempre ficar gratos a quem oferece aos outros vislumbres do Belo, e é isso que acontece neste volume de Lucia Berlin. Todas as histórias são únicas, embora algumas delas se completem, ou nos ofereçam outra perspetiva.

Recomendo vivamente este livro e sinto uma espécie de ternura fora do tempo que gostaria muito que Lucia soubesse que sinto, ela é tão desmedidamente humana, ela é tanto de tantos de nós, ela é a queda e a redenção. Apetece dizer, gosto de ti Lucia Berlin, admiro a tua humanidade e revejo-me nela e comigo tantas pessoas a quem dás rosto e emprestas o palco para que contemplemos a diversidade da vida.

25
Out20

Aquele Abraço

livrosparaadiarofimdomundo

Hoje foi o dia em que o Grande Prémio de Fórmula 1 regressou a Portugal, depois de 24 anos. Mas não foi isso que me trouxe aqui.

Hoje foi o dia em que Lewis Hamilton bateu uma série de records, mesmo sendo negro e oriundo de um meio desfavorecido, tendo conseguido triunfar num desporto que é para muitos poucos. Mas também não foi isso que me trouxe aqui.

Hoje houve uma concentração de cerca de 25.000 pessoas num autódromo no Algarve, num tempo em que nos pedem que os encontros com a nossa família sejam restritos e na mesma semana em que se proibiram de circular entre concelhos nuam época de partilha que está enraizada na nossa cultura e identidade. Mas não foi isso que me trouxe aqui.

Hoje, no final do Grande Prémio de Fórmula 1, Lewis Hamilton abraçou demoradamente o seu pai, que teve de acumular três empregos para que o filho pudesse seguir o seu sonho. Foi aquele abraço que me trouxe aqui. Comoveu-me ver a comoção de ambos, comoveu-me ver a forma como o olhar do pai de Hamilton o seguia durante a conversa com os jornalistas, durante o tempo em que ele esteve no pódio, a celebrar um feito enorme. Deve ser maravilhoso conquistar um lugar único, mas deve ser ainda melhor o maravilhamento daquele pai a olhar para aquilo que ajudou a criar. Foi isto que me trouxe aqui, este deslumbramento perante o amor de Hamilton e do seu pai, que chegaram juntos ao pódio, dividindo a vitória e os créditos.

Hoje o meu pai fez 81 anos... não o abracei para o proteger e não sei se este gesto me leva a algum lado, ou se me trouxe aqui. 

Amo-te, pai, quem me dera ter-te abraçado daquela forma e ter-te mostrado que também me puseste a caminho.

 

 

22
Out20

Post sobre livros, mas sem livros lá dentro - melhor dia da semana, melhor hora do dia

livrosparaadiarofimdomundo

As vozes dos livros que li acompanham-me desde sempre. Pequenas vivências fazem eco em textos que li. Os livros ensinam-me a interpretar a vida e não o contrário.

Hoje, chegada a casa depois de uma semana de trabalho - intensa como parece que têm de ser as semanas de trabalho - a casa posta em sossego, sozinha, lareira acesa, chá na mão, ocorreram-me textos lidos: um poema do barroco que se refere ao quotidiano, uma mesa posta com torradas e manteiga, chá num bule, enfim a quietude do conforto de uma casa. Outro, reminiscência mais dramática, versos de Torga acerca das fragas a onde regressa. E nestes versos vejo refletida a minha chegada a casa neste fim do dia. É o regresso de mim a mim mesmo e sei que alguém também já disse isto e não me lembro de quem, nem onde li, mas li... talvez Pessoa, na carta sobre a génese dos heterónimos, sim foi aí mesmo.

Enfim, ter um lar numa casa é a supremíssimo, íssima, íssima  - Campos dixit - felicidade. Constatação que me leva para o remorso de saber que nem toda a gente tem como sentir este máximo prazer com o mínimo de artifício e vou ao poema de Vinicius de Morais e peço piedade para estes e para todos aqueles que, podendo usufruir dele, procuram a felicidade noutros sítios, senhor tende piedade deles.

E daqui, estes pensamentos vadios, pícaros, poder-se-ia dizer, chego a esta quase tristeza, como escrever quando outros o fizeram tão bem antes de mim, como medir palavras quando outros encontraram o metro, no sentido grego do termo. Assim se perde, quem sabe, uma vocação tão bonita, que não pode ser aproveitada, porque nasci tarde de mais, porque como disse Autran Dourado, depois dos gregos nada se fez de novo. Ou posos sempre fazer, não plágio, mas paródia dos outros e jogar esse jogo tão interessante de brincar às enciclopédias de cada um.

Com isto tudo, escrevi umas coisas sobre coisa nenhuma - isto não sei se alguém já conseguiu. 

 

 

13
Out20

Os Desafios da abelha #1/ Desafio rainy day

livrosparaadiarofimdomundo

A música húmida da chuva a cair;

A luz cinzenta pastosa nas janelas;

Gotas que desenham serpentes quebradas nas vidraças;

O cheiro quente da terra que paira sobre tudo;

As marcas gordas redondas na areia;

As gotas que dobram as folhas das árvores;

É um dia de chuva.

É outono.

Não é ainda a brusquidão da tempestade.

Não é já a efemeridade vaporosa da chuva de verão.

É o primeiro dia de chuva. 

É a novidade conhecida. É uma promessa antecipada.

É um estado de latência.

É uma espera sonolenta.

É o outono, das cores quentes que prometem frio.

A chuva é o seu triunfo.

 

12
Out20

#34/2020 - Mulheres que compram flores, de Vanessa Montfort, ou de como fui ao engano

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Mulheres que compram flores

Porto Editora

Páginas 384

Comprado, para meu desgosto, que já não o posso devolver, mas ofereço a quem quiser.

Esta minha nova paixão pelas plantas há de ser  aminha perdição, é oficial. Então, uma amiga falou-me do livro Aprender a falar com as plantas, que já li e de que já vos falei aqui. Vai daí eu tive de comprar muito em cima da hora os livros para levar para ler nas minhas curtas férias, sexta-feira, eu saía no domingo. Estou na livraria e vejo este Mulheres que compram flores , e achei que era o outro. Eram plantas e era um equívoco, comprei-o toda ufana com a minha sorte.

Mais uma vez a cena da praia de manhã, a cadeirinha, o livro e toca a começar a leitura, já embevecida, já feliz. Agora até há livros que falam de plantas, ai que giro, vamos lá, se não fossem as plantas nunca teria chegado a este livro... e outros pensamentos do mesmo estilo e começo a ler.

Depois das primeiras páginas já me estava a questionar "Mas qué isto? que novela da 4 é que eu comprei? Publicaram o guião, foi?", mas caladinha, que eu é que tinha comprado o livro e há um princípio sagrado "gastaste o dinheiro, agora tens de ler!". De maneira que insisti, se calhar era eu que estava com má vontade, afinal as críticas eram bastante boas.

A coisa não melhorou. Não gostei mesmo do livro, não recomendo e só me lembro de uma piada do grupo porta dos fundos para resumir a minha aprecição: "como drama não comove, como comédia não diverte". É um livro com muito feminismo engarrafado - calma, eu sou muito pelo valorização da mulher, eu até sou mulher - mas é muita ideia feita, é muita infelicidade pré-programada, são histórias muito estereotipadas.

Também estou zangada com estes livros que prometem plantas e, depois, as plantas são um pequeno pretexto, um engodo que não tem nada a ver. Sim, sim, havia uma florista, blá, blá... mas é tudo tão previsível. Não me convenceu, pronto, já disse.

Podem sempre ler e depois virem aqui discordar comigo, que as leituras não são evangelhos e podemos muito bem ter opiniões diferentes.

Vou ali ler outra coisa e olhar para as minhas plantas que essas só me desiludem quando as folhas ficam amarelas... porque errei qualquer coisa.

07
Out20

#33/2020 - Se esta rua falasse, James Baldwin - da arte de nos fazer sentir impotentes

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Se Esta Rua Falasse

Editora Alfaguara

Páginas 208

Se esta rua falasse é um romance de James Baldwin ao qual é muito difícil ficar indiferente. Se calhar, para algumas pessoas até é, que sei eu? A mim tocou-me profundamente, como não quando há no romance frases como esta "Gostava que ninguém tivesse de olhar através de um vidro para alguém que ama."

O livro narra a história de Tish e de Fonny, jovens apaixonados que sonham construir a vida em conjunto, fora do bairro onde viveram desde sempre e onde se conheceram. No entanto, são brutalmente separados e veem os seus sonhos desfeitos quando Fonny é injustamente acusado de ter violado uma mulher e é preso. As páginas do livro levam-nos a acompanhar o estado de espírito de Tish, que oscila entre a esperança e o desespero, a crença e a descrença, o amor e a impotência, a coragem e o temor. A verdade é que Fonny e Tish são negros e essa é uma circunstância que, na época como hoje, condiciona o seu presente e compromete o seu futuro. À sua volta, numa luta contra o tempo, marcado pela data do julgamento e pelo facto de Tish estar grávida, congregam-se os esforços de todos para tentar provar a inicência de Fonny e devolver aos jovens a vida que injustamente lhe foi amputada.

O livro foi publicado em 1974 e poder-se-ia pensar que se trata de um relato muito datado, que as coisas já não são bem assim, que todos são tratados de forma igual perante a justiça, independetemente da cor da pela, dos credos e de outras tantas distinções artificiais que marcam a nossa sociedade. Não seria preciso concluir esta reflexão, é claro que o livro se mantém atualíssimo, que a justiça é muitas vezes arbitrárias e que as pessoas não são tratadas da mesma maneira, nem no supermercado, quanto mais quando suspeitas - ainda que falsamente - de terem cometido um crime. É um libelo contra a injustiça, é um beliscão no nosso alheamento, é atual, é penoso.

Que andaremos por cá a a fazer se as coisas se mantêm tão inalteradas, se o mal perdura e o bem não dura? Esta constatação de que a sociedade, a civilização, a cultura, o género humano, sei lá eu o quê, não têm andado para melhor, antes pelo contrário. Em muitos casos, o que notamos é uma regressão.

Se esta rua falasse é daqueles livros que temos de continuar a ler como exercício de aperfeçoamento, que temos de recomendar, de emprestar, de aí voltar para que a nossa visão não se obscureça com a ilusão do progresso. Recomendo, a este propósito, também a série When they see us - é na mesma linha, mas baseada em factos.

 

 

 

06
Out20

Post sem livros lá dentro - Insólito e álcool gel

livrosparaadiarofimdomundo

A propósito de percorrermos a N2 de carro, paramos em Lamego para tomarmos um café. Manhã sem café não é dia a começar. 

O café era banal e o café era normal.

Antes de partirmos para uma nova etapa, a visita à casa de banho. Como as crianças, é preciso ir para depois não andarmos a pedir para parar, sem opções. Muitas vezes obrigados a beber água sem ter sede. Mais um café para o pretexto.

De maneiras que houve uma ida à casa de banho. À entrada os novos gestos: não tocar na maçaneta, empurrar a porta com os ombros, as mãos no ar como se fosse m cirurgião num epsiódio da Anatomia de Grey. Enfim entrada no espaço exíguo, átrio do lavatório onde estava uma senhora a ocupar o espaço. A senhora tinha a camisola levantada, assim que me viu, pediu-me: "pode abotoar-me aqui isto, que eu não consigo com esta mão". Era o botão das calças. Nem hesitei, peguei nas duas abas das calças e apertei o botaõ, era daqueles de enganchar, ao mesmo tempo que a senhora me incentivava: "isso, isso, assim, assim". As minhas mãos tocaram a pele da senora, macia. Um corpo estranho ao meu toque. O agradecimento, sincero, simples, com a maior naturalidade.

Depois de fazer o que tinha de fazer, o horror de constatar que não havia sabonete, nem álcool gel.

Saí, tentando não tocar em nada. À saída do café, gastei o máximo de álcool que pude e desinfetei as mãos e ficou em mim este efeito de estranheza.

Acompanhou-me esta reflexão. Ajudei a senhora sem repugnância, com a mesma naturalidade com que ela me pediu. A COVID-19 não levou a melhor. Não desatei aos gritos, não recusei a ajuda a quem a pedia. Mas ficou esta impressão de estranheza e, pelo sim pelo não, dei-lhe com mais convicção no desinfetante. 

Isto quer dizer alguma coisa? Não sei bem. Posso sempre atirar com o novo normal para cima de tudo isto.

 

05
Out20

32/2020 - Aprender a falar com as plantas, Marta Orriols: reaprender a viver na era do luto

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Aprender a Falar com as Plantas

Editora: Dom Quixote

240 páginas

Emprestado - este ano a média das leituras nesta modalidade vai bem, obrigada. É preciso aprender e fazer coisas novas. Não esquecer de devolver o livro!

Ultimamente o meu radar de atenção tem andado dividido entre os livros e a minha nova paixão, as plantas. Esta última tem-se mostrado um desafio muito absorvente, ou de como a minha personalidade tem traços de pessoa com facilidade em criar adições e de as somar também, porque umas não anulam as outras. Penso constantemente em ter mais livros e em ter mais plantas. Já enveredei por um excurso desnecessário, o que eu queria dizer é que a motivação para ler este livro teve a ver com o título. Isso e a recomendação de uma amiga que disse que tinha sido uma boa surpresa.

Aprender a falar com as plantas - pasme-se - tem muito pouco a ver com plantas e com a aprendizagem de falar com elas, é apenas um apontamento na história e nem muito importante, mas deu um bom título. A verdadeira história tem a ver com o percurso de Paula, a protagonista, que perde o marido duas vezes no mesmo dia. Claro que, se lerem a sinopse, vão perceber porquê, mas fica aqui a incógnita que é para terem uma motivação extra para procurarem o livro.

Na segunda vez que pede o marido, Paula não terá como o recuperar, já que a morte é uma perda definitiva. Sim, é verdade, mais um livro deste ano de 2020 que aborda o doloroso percurso que é preciso empreender para superar a perda de alguém que nos é querido, mesmo quando nos limitamos a viver com essa pessoa como se ela fosse uma velha cmaisola de lã que vestimos pelo conforto. Mas é essa a reflexão que o livro nos proporciona, a de sempre e a mais importante: é preciso valorizarmos e cuidarmos enquanto temos tempo e oportunidade. Memorando a reler a cada novo dia, essa nova oportunidade que tendemos a dar como certa, como se fôssemos imortais, eternos e indestrutíveis, depois vem a COVID-19, mas não vamos por aí, não é preciso tanto.

O desenho do romance é muito isto: um longo monólogo interior em que Paula equaciona a sua vida depois da tragédia, tentando várias soluções sem que nenhuma delas a convença já que, em caso algum, lhe devolverá o que perdeu. Mas é também uma imersão no passado, a revisitação de outras perdas que a marcaram desde a tenra infância, a rememoração do papel do pai no seu crescimento, a forma como vive o seu trabalho, ele também marcado por um jogo de sorte e azar, em que umas vezes se ganha e outras se perde, e a derrota quer dizer morte e inexorabilidade.

É um livro bonito, cuidado, sensível, cru em alguns momentos, mas que nos toca, porque todos nós, ou já vivemos a perda, ou havemos de viver - não creio que se atravesse a vida a ser apenas a perda dos outros, se assim for é porque somos daqueles a quem os deuses amam e não escrevemos textos em blogs a meditar sobre a morte, seremos sim fonte de meditação.

Leiam, porque relatos que nos devolvam a imagem da nossa efemeridade e da nossa transitoriedade são sempre oportunos para nos relembrar a lição da humildade e a chamada de atenção para amarmos mais e melhor.

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