#41/2020 - Adoração, Cristina Drios: arriscada escolha
Editora Teorema
214 páginas.
Emprestado Hashtag proud ( hei de contar quantos livros li emprestados este ano, bati um record de certeza)
Não conheço quase nada da autora, nem vida nem obra. Ouvi falar deste livro no clube de leitura da Leya, numa sessão dinamizada pela editora Maria do Rosário Pedreira. Os meus olhos brilharam logo, com estrelinhas como nos desenhos animados. Eis uma combinação a que não resisto: obras literárias que versem aspetos relacionados com as artes plásticas. Acresce que o Caravaggio sempre exerceu sobre mim um enorme fascínio, conto a sua obra entre aquelas que, se não a que mais, admiro. (Parentesis para desabafar um desgosto enorme: quando estive em Roma, no dia em que tinha planeado visitar a igreja de Santa Maria del Popolo, demoramos tempo demais no Vaticano e na basílica de São Pedro e, já com o tempo contado, a minha filha resolveu comprar roupa numa loja que tinha tamanhos muito pequenos. Quando chegamos, a igreja já tinha fechado e não pude ver duas das obras que mais me fascinam: A cruxifição de São Pedro e A Conversão de São Paulo. No entanto, pude ver a cabeça de Medusa na galeria Delli Uffizi. Há pelo menos essa consolação).
Mas eu vim aqui foi para vos falar do livro de Cristina Drios, que uma amiga comprou em segunda mão e generosamente me emprestou (Parentesis para contar uma curiosidade sobre o livro. O volume vem autografado, e esta hein? Este é um dos fascínios dos livros em segunda mão, além de serem aquisições mais sustentáveis. Hoje pareço mesmo uma mulher a escrever. Prometo não me desviar mais).
Do que gostei mais? da maneira difusa como Caravaggio é representado e que está bem de acordo com a sua vida enigmática e marginal. O fascínio que este artista exerce sobre quem se cruza com ele atravessa séculos e começou a fazer sentir-se ainda em vida do artista. Esse aspeto está muito bem trabalhado no livro. Também a referência às circunstâncias em que algumas das obras foram pintadas, causadoras de uma espécie de exaustão física e mental e de uma eterna insatisfação e desgosto estão bem pintadas e em harmonia com alguns relatos que apontam para o facto de Michel Angelo Merisi sofrer de algum distúbio mental, tal como Van Gogh, mal explicado, algumas vezes explicado pelos eflúvios venenosos do chumbo contido nas tintas. Assim, o livro valeu por essa revisitação, por funcionar como um impulso para rever a reprodução das suas obras, agora iluminadas por esta interpretação. Na linha de outros livros que li este ano, não vou cometer a injustiça de os comparar. São objetos estéticos diferentes, os leitores são diferentes e não reagimos da mesma maneira a estímulos idênticos.
Do que menos gostei? da ligação um pouco mal amanhada - quanto a mim - ao presente, à Máfia, à polícia, ao crime e ao clima de insegurança que a Itália tem atravessado. Não é que a ideia seja má. É um bocadinho na linha dos romances de Dan Brown. É uma estratégia narrativa arriscada e, neste caso, não me pareceu muito convincente. Depois penso neste atrevimento que é vir para aqui vampirizar o trabalho de outrém, quando ainda não provei que faria melhor.
Em suma, vale a pena ler, porque é de uma autora portuguesa, porque é uma obra interessante honesta. Não é deslumbrante, não será talvez inesquecível, mas aproxima-se da experiência do Belo e tem esse mérito de arriscar na escolha e na forma de tratar o tema. Mexer com gigantes é sempre uma arroubo de David perante Golias. Às vezes, é preciso armar a funda de novo. Só por causa disso, vou colocar na lista de livros a ler Os olhos de Tirésias e dar os parabéns à Cristina Drios.