#7/2021 - Manhã e Noite, Jon Fosse: um livro que se impregna em nós
Editora Cavalo de Ferro
112 páginas
Começo por isto: mais uma vez, menos é mais, muito mais.
Este livro pequeno está dividido em duas partes, que correspondem às duas palavras do título e que metaforizam os dois momentos-chave da nossa vida: o nascimento e a morte.
Dito isto, fogem-me as palavras, porque este livro é tão despojado que me parece redundante falar sobre ele. Bastaria isto, leiam-no e ajuizem por vós mesmos. Mas é também um livro de uma linguagem poética, de uma desconcertante simplicidade, assim como simples, diria quase anódina é a vida do seu protagonista. Depois penso no significado da palavra anódina, que é não só inofensivo, mas também algo que acalma a dor. E penso que o livro pode ser lido assim, como uma demonstração de que não é preciso termos medo, que a passagem pode ser doce e tranquila, sem dores físicas nem psíquicas, que não tem de ser solitária, que é natural. É um paliativo para as nossas angústias, um ensaio que nos sussurra resignação.
Depois penso nos versos de Ricardo Reis "deixa a dor nas aras/como ex-voto aos deuses" e reconheço que essa também pode ser uma chave de entrada para o livro. Tal como Reis, Fossen ensina-nos o caminho do despojamento, da aceitação, da resignação, ainda que o seu protagonista tenha amado e sido amado. Mas há também aqui a orgulhosa dignidade daqueles que pela dignidade se conduzem e penso que é um livro muito, muito bonito (mais a segunda parte, confesso). Sublinho que Fossen é um escritor nórdico e as paisagens do norte lá estão, o frio e o gelo, o isolamento, o mar e a pesca como destino traçado para cada home m que ali nasce. Não sei se por isto, se por qualquer coisa mais, este é um livro que permanece em nós, desenhando círculos centrífugos como a pedra no charco.
Esta foi a primeira leitura do clube de leitura de que participo e foi uma estreia bem fadada. Deu azo a uma discussão riquíssima, tantas forams as maneiras como o livro foi (re)lido e maravilha-me sempre que a literatura tenha este poder, de nos por a nós a filosofar - no sentido etimólógico do termo, a atitude de quem ama a sabedoria - sobre temas que a voragem dos dias não vai permitindo. E ouvi fascinada as muitas versões deste Manhã e noite que, sem se contradizerem, eram tão diferentes como são os rostos com quem nos cruzamos. Impõe-se-me aquele exercício que é uma operação simples para mostrar as infinitas possibilidades da interpretação: pensemos na palavra casa e a imagem mental que se desenha em cada um de nós nunca em tempo algum será coincidente, mesmo que sejam dois irmãos gémeos a dizê-la. E penso, obrigada pelos livros, obrigada a quem tem esse ofício, venero-vos como os antigos veneravam os oráculos.