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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

29
Mar22

Inspiração do dia - obrigada pela lição

livrosparaadiarofimdomundo

Quem me conhece, mesmo daqui do blog, sabe que vivo na convicção que tenho a profissão mais bonita do mundo:sou professora, mesmo a desempenhar funções de gestão, é isso que sou na essência professora.

Hoje, a propósito de uma formação, foi-me pedido que referisse a coisa mais bonita que me tinha acontecido e que me tinha feito feliz e lembrei-me automaticamente do César (o nome é fictício) e da lição que tinha aprendido com ele. 

O César é um menino vítima de maus tratos, de tal forma que a escola teve de intervir para que fosse tratado a propósito de uma tareia que o pai lhe deu, foram acionadas as medidas de proteção de menores. A escola é um lugar seguro para o César, é lá que toma a medicação, graças ao zelo e ao humanismo de assistentes operacionais como não há. 

Ontem, a propósito de circunstâncias alheias a esta situação, fui apresentada ao César que me olhou maravilhado (juro que não estou a inventar) e exclamou: "A Diretora? É tão jovem!". E eu ri-me, deliciada, peguei-lhe nas mãos e disse que ele tinha feito o meu dia. E ele acrescentou: "E é tão bonita!" E eu rendi-me com aquela gentileza. E disse-lhe que, por ele ser tão gentil, o iria acompanhar pessoalmente até à sala de aula. E lá fomos. Pelo caminho ele perguntou-me: "A professora sabe o que me aconteceu?". Eu respondi-lhe que sabia e que era por isso que me preocupava com ele. Depois falamos do que é que ele gostava mais na escola, como é que ele estava e, desta forma serena, fomos até à sala. Quando chegamos, ele quis que eu entrasse. Depois despedi-me e este momento ficou-me gravado e o tempo passa e os efeitos deste breve encontro espalham-se no meu espírito como uma mancha de água sobre papel.

O César conhece um ambiente de violência. Não me atrevo a especular mais, porque pouco mais sabemos. Ainda assim, perante o outro, foi de uma gentileza e de uma generosidade verdadeiramente tocantes. Que lição, que inspiração, querido César!

Não gosto de cavalgar os momento mediáticos, porque preciso de distanciamento, mas, sem querer penso no episódio dos Óscares e comparo esse momento mediático com este momento subterrâneo e mais fascinada me sinto com o César.

As horas passam e há uma comoção que me vai dominando, que tive de exprimir, que tive de agradecer. Obrigada César.

Precisamos tanto de cultivar esta gentileza com o outro, de assumirmos o discurso do Bem, de afirmarmos o humanismo e o afeto como forma de nos conduzirmos na vida, de sermos como o César.

  

12
Mar22

#2/2022 - A vida invisível de Eurídice Gusmão, Martha Batalha: história da invisibilidade

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - A Vida Invisível de Eurídice Gusmão

Porto Editora

214 páginas

Nota prévia; finalmente, caí por causa da COVID-19. Já não sou como a aldeia do Astérix! Onde me infetei? Não faço a mínima ideia. Tive a versão light do bicho? Não. Tive direito ao catálogo completo de sintomas e maleitas. Mas, mesmo na maior adversidade, os bravos veem oportunidades e, sempre que a febre baixava, li todas as horas de alívio que pude usar.

Li a Eurídice num dia. É leitura de um fôlego. É difícil parar. Gostei muito de conhecer a Eurídice e a irmã, a Guida. Ficámos amigas...

Vamos lá por ordem no post...

O romance de Martha Batalha abre com uma breve nota introdutória da própria autora, na qual esclarece que algumas figuras e episódios foram bebidos em pedaços de histórias verídicas e que as duas protagonistas, Eurídice e Guida, foram inspiradas nas suas e "nossas" avós. Depois de lido o romance, ficou claro que não foram só inspiradas nessas avós da autora, elas, como as restantes figuras femininas do romance, foram baseadas em toda uma geração, ou gerações, de mulheres vergadas e submissas por ditames de convenções socias que as deixaram à margem de qualquer protagonismo, nem sequer das suas próprias vidas. Vislumbrei nestas mulheres tantas feições das muitas mulheres da minha família, cuja condição, para mim, fica sempre entre a tragédia e a epopeia, de tal maneira me surpreende a sua resignação e o seu heroísmo, a sua aparente falta de relevância e a sua grandeza.

Guida e Eurídice fazem lembrar as figuras de Jane Austen: Guida é a sensibilidade, Eurídice é o bom senso... mas a certo passo do romance, poderíamos dizer que trocam de papel. Guida ousa romper com as convenções e foge para se casar por amor, embora essa fuga não a subtraia ao papel social a que estaria destinada: dona de casa. Eurídice, ao ver o desgosto dos pais, entrega-se ao papel de filha dileta que assume para si o cumprimento de todos os sonhos que os pais da altura acalentavam: comportamento exemplar, namoro tranquilo e respeitoso, casamento em conformidade, filhos, mulher espera-marido, mãe diligente, fada do lar, como leitura para cultivo dessas prendas todas O jornal das Moças. Superada a prova de manter a honra incorrompida até ao casamento, a vida destas mulheres chegava ao fim. A partir do casamento e dos filhos era deixar o tempo e a vida discorrerem sem ondas, sem desejos, sem ambições, deixando-se sutentar pelos maridos, sendo que um bom marido seria aquele que não lhes batesse, que as sustentasse, que não lhes fosse infiel, ainda que as proibisse de qualquer arremedo de liberdade.

De uma forma muito inteligente, o romance vai-nos desvelando o quanto Eurídice não se enquadra no molde fabricado para ela e é aí que a leitura se torna interessante e a nossa Eurídice revela a sua grandeza. Não posso avançar mais, porque é preciso ler este livro como prova cega, como quem prova um doce de olhos vendados. Eurídice merece que todos os leitores a conheçam sem ser por interposta pessoa. Além dessas fugas, o facto de a narrativa se refazer constantemente, agregando pequenas biografias de muitas das figuras que se cruzam no romence, confere à leitura uma vivacidade que a torna muito cativante. São tantas as narrativas encaixadas que o romance se aproxima de um livro de contos. O estilo de Martha Batalha também é muito agradável, irrequito, quase constestário, oscilando entre a ironia e o sarcasmo, o trocadilho e a anedota, faz deste livro um pequeno prazer de que vamos precisando nos dias que correm.

Por fim, li o livro ainda na espuma do Dia da Mulher, dia sobre o qual nada disse, porque a febre não deixou, mas sobre o qual há muito a dizer e a pensar. Vida invisível de Eurídice Gusmão ensina-nos muito sobre a importância de continuarmos a falar deste dia e de continuarmos a pensar sobre a condição das mulheres, de demasiadas mulheres ainda. Não sendo das que festeja o dia da mulher num restaurante, embora um jantar de amigas seja uma das coisas que mais gosto na vida, ler este livro pareceu-me cerimónia à altura.

 

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