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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

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Livros para adiar o fim do mundo

18
Abr22

#3/2022 - Madalena, Isabel Rio Novo: desilusão e ira, dois sentimentos pouco pascais

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Madalena

D. Quixote

199 páginas

Parte I - Desilusão

Desconfiar dos prémios... parece ser um bom barómetro para os livros. Nem sempre regressamos ao lugar onde fomos felizes. Às vezes, vamos lá e é com cada desilusão!

Eu li fascinada um livro de Isabel Rio Novo, o maravilhoso Rua de Paris em dia de Chuva, e pensei, temos escritora, sim senhor, quem escreve assim é muito promissor.

De vez em quando, nas minhas idas às livrarias online,  cruzo-me com os outros dois romances da autora e quase que compro, ouvi dizer bem de ambos e, a julgar pelo que tinha lido, não haveria de ficar desiludida. Vai daí que um domingo, numa qualquer livraria física da minha vida, desconsolada, porque nenhum livro se me colou, se me agarrou de maneira que eu não o pudesse deixar, até que pus os olhos em cima deste Madalena e pensei, olha é mesmo este! Isabel Rio Novo, um valor seguro. Pois não foi! Foi uma desilusão. Falta ao livro qualquer coisa que o torne convincente, é de uma banalidade excruciante. Quando cerzimos histórias num livro, o leitor naõ deve dar pelas costuras, a narrativa tem de fluir. No caso desta Madalena, parece que tudo foi alinhavado a pontos largos, fica-se com a sensação que a costura não vai aguentar se puxarmos por ela. Falta coesão, falta fluidez, falta a prima para a obra ser, embora a ideia até seja muito interessante. Certo é que no final não se percebe qual a relevância nem de uma linha narrativa nem de outra. Mais ou menos como a montanha que pariu um rato. Não houve uma frase que eu sublinhasse, que eu destacasse, que me tocasse. Ocorre-me a corruptela de um ditado, ao que parece alemão: a vida é demasiado curta para maus livros (era com vinho, mas eu não bebo), e eu li este até ao fim! É poucochinho. Não vale a pena insultarem-me, que eu na literatura sou anarquista e também não professo nenhuma fé.

Parte II - a ira

Tudo o que vou escrever a seguir não determinou a opinião que formei sobre o livro. Poderia ser apenas um pormenor desagradável, como o pé dormente de Alberto Caeiro, quando se punha a pensar. Mas é mais do que isso. Eu explico.

Acontece que a personagem do romance é professora de profissão. Embora a profissão não seja o mais importante para o desenho da personagem, a verdade é que a autora a definiu como professora, que regressa fragilizada à escola depois de um período de quimioterapia. E como é que esse regresso é descrito? Com uma indiferença atroz por parte de todos: colegas e alunos, e, cereja em cima do bolo, o presidente do conselho executivo, que se cruza com a personagem por acaso, a única palavra que tem para com ela é acerca do relatório de avaliação que estava em atraso. As aulas da personagem são descritas da forma como passo a citar: "Entretanto, voltara às aulas por poucas semanas, o suficiente para reaprender as rotinas da profissão. Gritar a matéria, repreender verbalmente, expulsar da sala; continuar a gritar a matéria, repreender por escrito, expulsar da sala, continuar a gritar a matéria, abandonar a sala, apresentar queixa no gabinete do conselho executivo, instaurar um processo disciplinar". E a coisa continua com mais umas descrições. 

O que é que me enfurece? O estereótipo! Custava alguma coisa ter tentado perceber? Informar-se minimamente sobre o funcionamento de uma escola? Perceber a dimensão da profissão, se era para falar sobre ela. Depois a escolha das palavras, esta professora não explica, não expõe, grita a matéria e expulsa alunos da sala, essas são as rotinas que reaprendeu. Nem é por eu ser professora, nem é por esta visão das coisas não coincidir com a forma como encaro a profissão, nem estar sequer próximo do que é a escola hoje em dia e do trabalho meritório e diferenciador que muitos professores fazem. Nem é pelo chorrilho de imprecisões e inocrreções. Não é por isso. É porque, conhecendo o meio, me desagradam os lugares comuns, os chavões, a negligência, o facto de estes dados não acrescentarem rigorosamente nada à história, porque não têm qualquer relevância, estão lá para encher, mas vamos lá arrojar uma série de coisas que se ouvem por aí e representar dessa forma uma profissão.

Mais ainda, Portugal está a atravessar uma verdadeira crise com falta de professores, a profissão não parece cativar ninguém e uma autora já com público, que é lida e respeitada, trata desta forma este papel social, pregando mais uns pregos neste caixão de maneira absolutamente gratuita, alinhando num coro que se faz ouvir há mais de uma década e que tão mal tem feito. isto quando é notório que a autora fez alguma pesquisa sobre o cancro, tratamentos e procedimentos...

E para aqueles que me vierem falar da liberdade estética, pois claro que a liberdade estética existe, mas também existe a outra: a de nos manifestarmos desagradados e de podermos afirmar que não é livro que recomendemos. Tenho pena. Continuo a gostar muito do Rua de paris em dia de chuva e talvez leia os outros. Esta Madalena é que não.

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