#28/2023 - Daqui deste lugar, Inês Silva - Crónica de uma viagem...
98 páginas
Cordel d' Prata
Dois motivos me trouxeram a este livro. O primeiro ter sido escrito por uma amiga de infância (fomos colegas de escola), o segundo o assunto do livro ser uma crónica de viagem que diz respeito à já mítica N2 ( que atravessa Portugal, de Chaves a Faro), viagem que também fiz, mas de carro, ao passo que a autora a fez de moto e, se a memória não me engana, fizemo-la mais ou menos pela mesma altura: a dela em setembro de 2020, a minha em outubro do mesmo ano. Daqui decorre uma experiência comum, no que ao trajeto diz respeito, mas da simpressões colhidas, para além da simultaneidade dos nomes, mais parece que fizemos viagens diferentes.
Essa comunhão não se limitou apenas à viagem. Um aspeto interessante neste pequeno relato é o facto de a viagem física ser acompanhada de uma viagem feita de rememoração, suscitada por um pormenor ou outro, quase como uam viagem dentro da viagem, como, creio vêm a ser todas as viagens. Ora, no que às memórias da infância diz respeito, verifiquei de novo esse (re)conhecimento, porque partilhamos muitas vezes o mesmo espaço e o mesmo tempo e, aí sim, a nossa experiência, não sei se polida pelo tempo, parece muito mais semelhante.
Voltemos ao cerne do livro que, se alguém tiver a paciência de me ler, não será para saber de mim, mas do livro. O relato é muito cuidado, prende a atenção, de tal modo que se lê rapidamente, com vontade de chegar depressa a "Faro". O ritmo da viagem é espraiado pelas memórias, observações, comentários que a autora vai entretecendo no seu relato. Se não almeja dar-nos conta da precisão dos cheiros, por serem difíceis de materializar pelas palavras, a saciedade do olhar está lá bem patente e reconhecemos a manta de retalhos de que a paisagem portuguesa é feita. A estas impressões de viagem, juntam-se pequenos episódios caricatos que, todos nós, sabemos serem típicamente portugueses. Em suma, é leitura de prazer, é, como tantas vezes, uma forma de viagem, quando outros impedimentos, de trabalho, de família, de tempo, nos prendem ao nosso lugar.
Recomendo a leitura, porque o relato está muito bem escrito, uma forma de escrita que é contida, cativante na sua aparente simplicidade, mas, por vezes, dizer simples é tarefa difícil. Recomendo esta forma de (re)conhecer esta estrada e este país, que funciona tão bem antes de se ir, como depois de se lá ter ido.