D. Quixote,
154 páginas
Joseph Roth é um dos meus autores preferidos. Há qualquer coisa na sua escrita que me prende, não sei se umas certas notas de nostalgia, não sei se a elegância da escrita, não sei..., mas gosto sempre dos seus livros.
Este Hotel Savoy, parafraseando uma das frases do próprio livro, parece-me o mais russo dos seus romances, quase próximo de Dostoievski. Há, quanto a mim, uma tensão social latente, emergente, entre os habitantes da cidade onde se situa o Hotel, entre os hóspedes do Hotel, entre os hóspedes e os funcionários do hotel. Tudo é tensão neste livro.
Gabriel Dan é judeu, foi prisioneiro de guerra, durante três anos, num campo na Sibéria, regressa a casa, passando por uma espécie de peregrinação desde o campo de prisioneiros, desempenhando várias funções subalternas e assalariadas até ali chegar: a uma cidade que fica às portas da Europa, ao hotel mais europeu daquela cidade oriental. Ser o Hotel mais europeu significava que tinha um porteiro fardado, criadas de toucas brancas, casas de banho inglesas, elevadores, lâmpadas elétricas... enfim, pequenos luxos conotados com a Europa.
Não consigo deixar de ver aquele hotel, onde o protagonista, apesar de pobre e desenraizado, pode hospedar-se, embora num dos quartos mais baratos, como uma metáfora da Europa, tanto do período após a Primeira Guerra Mundial, como da de hoje, aquelas em que vivemos: igualmente ameaçada pela guerra, igualmente percorrida por hordas de pessoas em busca de um lugar de ser com dignidade. Esta hipótese de leitura sustenta-se em algumas passagens da obra, que são quase fragrantes, denúncias de um quadro de pobreza, abandono, assimetrias sociais e ecnómicas, que volvido um século, persistem na Europa e continuam a separar as pessoas em função do que possuem. No Hotel Savoy, as pessoas importantes, ricas e poderosas estão hospedadas nos andares inferiores, nos quais os quartos são arejados, amplos e limpos por criadas de touca branca, porque neles há uma maior preocupação com a limpeza. Quanto mais se sobe nos andares, maior é a pobreza, quando não a indigência dos hóspedes, doentes, dependentes de usurários que deles se aproveitam, subalimentados, vendo-se obrigados a entregarem-se a papéis degradantes para poderem subsistir.
Diz-nos o narrador que, em todas as cidades do mundo, há sempre hotéis Savoy, onde uns vivem e outros morrem...
Os excluídos, por tudo isto, encontram-se sempre em trânsito, ambicionando um outro lugar, acreditando que, algures, haverá uma cidade, sempre a próxima cidade, um outro país - linha do horizonte que nunca se alcança - onde finalmente poderão ser felizes e escapar à sua condição: Viena, Paris, a América.
É impossível não estabelecer o paralelismo com a atualidade, com a Europa de hoje, a cuja porta tantos tentam uma vida melhor.
Repito, gosto de livros que me interpelam, que me deixam cicatrizes, que me levam a olhar para o outro com as lentes da empatia e da tolerância, daí que goste deste livro, ainda que ele me tenha deixado um pouco desconcertada.
Recomendo para ler e, em especial, para reler, porque nem todas as implicações são óbvias na primeria leitura.