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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

13
Mai24

Poema I

livrosparaadiarofimdomundo

Poema I

 

Naquele dia, vi

que a felicidade é feita de luz,

de água e de céu ao anoitecer,

sussurros de rosa, azul, lilás,

de verdes vultos recortados

e do som dos pássaros 

quando se recolhem.

A nós, basta-nos ver

com todos os sentidos.

 

11
Mai24

#10/2024 - Hotel Savoy, Joseph Roth: da metáfora

livrosparaadiarofimdomundo

Hotel Savoy

D. Quixote,

154 páginas

Joseph Roth é um dos meus autores preferidos. Há qualquer coisa na sua escrita que me prende, não sei se umas certas notas de nostalgia, não sei se a elegância da escrita, não sei..., mas gosto sempre dos seus livros.

Este Hotel Savoy, parafraseando uma das frases do próprio livro, parece-me o mais russo dos seus romances, quase próximo de Dostoievski. Há, quanto a mim, uma tensão social latente, emergente, entre os habitantes da cidade onde se situa o Hotel, entre os hóspedes do Hotel, entre os hóspedes e os funcionários do hotel. Tudo é tensão neste livro.

Gabriel Dan é judeu, foi prisioneiro de guerra, durante três anos, num campo na Sibéria, regressa a casa, passando por uma espécie de peregrinação desde o campo de prisioneiros, desempenhando várias funções subalternas e assalariadas até ali chegar: a uma cidade que fica às portas da Europa, ao hotel mais europeu daquela cidade oriental. Ser o Hotel mais europeu significava que tinha um porteiro fardado, criadas de toucas brancas, casas de banho inglesas, elevadores, lâmpadas elétricas... enfim, pequenos luxos conotados com a Europa.

Não consigo deixar de ver aquele hotel, onde o protagonista, apesar de pobre e desenraizado, pode hospedar-se, embora num dos quartos mais baratos, como uma metáfora da Europa, tanto do período após a Primeira Guerra Mundial, como da de hoje, aquelas em que vivemos: igualmente ameaçada pela guerra, igualmente percorrida por hordas de pessoas em busca de  um lugar de ser com dignidade. Esta hipótese de leitura sustenta-se em algumas passagens da obra, que são quase fragrantes, denúncias de um quadro de pobreza, abandono, assimetrias sociais e ecnómicas, que volvido um século, persistem na Europa e continuam a separar as pessoas em função do que possuem. No Hotel Savoy, as pessoas importantes, ricas e poderosas estão hospedadas nos andares inferiores, nos quais os quartos são arejados, amplos e limpos por criadas de touca branca, porque neles há uma maior preocupação com a limpeza. Quanto mais se sobe nos andares, maior é a pobreza, quando não a indigência dos hóspedes, doentes, dependentes de usurários que deles se aproveitam, subalimentados, vendo-se obrigados a entregarem-se a papéis degradantes para poderem subsistir. 

Diz-nos o narrador que, em todas as cidades do mundo, há sempre hotéis Savoy, onde uns vivem e outros morrem... 

Os excluídos, por tudo isto, encontram-se sempre em trânsito, ambicionando um outro lugar, acreditando que, algures, haverá uma cidade, sempre a próxima cidade, um outro país - linha do horizonte que nunca se alcança - onde finalmente poderão ser felizes e escapar à sua condição: Viena, Paris, a América.

É impossível não estabelecer o paralelismo com a atualidade, com a Europa de hoje, a cuja porta tantos tentam uma vida melhor.

Repito, gosto de livros que me interpelam, que me deixam cicatrizes, que me levam a olhar para o outro com as lentes da empatia e da tolerância, daí que goste deste livro, ainda que ele me tenha deixado um pouco desconcertada.

Recomendo para ler e, em especial, para reler, porque nem todas as implicações são óbvias na primeria leitura.

 

 

07
Mai24

#9/2024 _ Felizes anos de castigo, Fleur Jaeggy: a força das palavras não ditas

livrosparaadiarofimdomundo

Felizes Anos de Castigo

Alfaguara

113 páginas

Não conhecia a autora, foi uma compra arriscada. Devemos sempre procurar conhecer outros autores, para não corrermos o risco de perder boas leituras. Risco sempre de evitar.

Esta obra é um livrinho, nem dá para uma tarde de leitura. No entanto, ler um livro sem interrupção chega a ser muito satisfatório. Há um prazer quase sensual em terminar um livro e depois arrumá-lo na estante, é uma sensação de plenitude. Enfim, chega dos meus excursos sobre a leitura.

Felizes anos de castigo correspondem à designação dos anos que a protagonista/narradora passou num dos colégios internos. A história deste livro conta especificamente os anos num desses colégios, com a idade de catorze anos. Percebe-se como a convivência entre as meninas do colégio, oriundas de vários pontos do globo estava profundamente hierarquizada, como todos os movimentos assentavam em táticas para se conquistar um lugar, se mais ou menos popular, mostrar-se mais ou menos acessível, conseguir fazer amizade com quem se escolheu. Esse esforço constante, podia levar a que as jovens emulassem uma das escolhidas como caminho para a afirmação.

É uma história tecida de fascínio, sedução, risco e muita, muita ambiguidade. 

O livro está escrito de forma quase seca, fria, distante, como se filtrada por um tecido fino, uma espécie de sfumatto literário. Faltam-nos algumas palavras, enerva que as coisas não sejam dissecdadas, fiquem numa espécie de limbo que resulta de uma "filmagem", que não nos dá as explicações que sentimos necessitar. Acresce que todo o livro é perpassado por uma forte tensão: social? emocional? sexual?.

Outra imagem que me ficou do livro é como se houvesse na história um jogo de espelhos: a narradora cede ao fascínio, quase obsessão por Fréderique, mas exerce sobre nós o mesmo fascíno. ela tenta compreender a essência, o je ne sais quoi,  da colega. O leitor tenta o mesmo com a protagonista, que nos seduz, que nos escapa, a quem queremos também conhecer e compreender, talvez agradar.

"infância vetusta"; "alegria pela dor", "morre quem não existe" são núcleos semânticos que remetem para uma espécie de prenúncio de morte, de podridão, de dor que perpassa pelas páginas do livro. A frieza das suas frases é reflexo da frieza, da distância entre estas jovens e as suas famílias, cujas ordens vêm de longe, escritas, palavras não articuladas. É profundamente nostálgico este livro.

Fica, da leitura, uma espécie de perplexidade, de incompreensão. Fez-me lembrar os contos de Hélia Correia, há qualquer coisa de maligno, de selvático, de contido, que não chega a libertar-se, mas que fermenta sob aquilo que se escolhe desvelar. Leitura curiosa, poderosa, desafiadora. Literatura, portanto.

 

 

06
Mai24

Um toque no coração II

livrosparaadiarofimdomundo

Há tempos, a Sofia procurou-nos para estagiar connosco. 

Aceitamos, normalmente aceitamos quem nos porcura para completar a sua formação. É preciso estar aos serviço da comunidade e contribuir para a formação e o aumento das qualificações da nossa população.

Como estagiária foi marcante a sua delicadeza e a sua gentileza. Foi marcante também a disposição para trabalhar com as crianças.

Quando o estágio terminou, foi despedir-se de mim, no mesmo tom.

Às vezes, cruzamo-nos com pessoas a quem apetece abraçar, a quem apetece manter por perto, tal é a sua aura de gentileza.

A partir daí, em momentos especiais, recebo uma mensagem da Sofia, pelo Natal, por outro pretexto qualquer. São mensagens simples, mas trazem com elas uma brisa de carinho, de reconforto, de calor. Deixam em mim uma forte impressão de gratidão. Saber que, algures, no tempo e no espaço, alguém, desinteressadamente, tem de mim uma memória que me faz merecer esses gestos de humanismo, de uma grandeza invejável, pois quem se dá ssim aos outros é uma inspiração para quem tem o privilégio de merecer essas formas de amor.

Ontem, dia da Mãe, recebi mais uma mensagem da Sofia, a desejar-me um bom dia da Mãe. Mais um gesto bonito, gratuito, que me mereceu este texto. Como testemunho de que podemos manter acesa a fé nas pessoas, os maus não vencem sempre, fazem é mais barulho; como forma de agradecimento, porque me sinto muito humilde perante este gesto; como homenagem à Sofia, por ser especial e espalhar o bem sem esperar nada em troca.

Este texto é para si, Sofia.

04
Mai24

#7/2024 - Mentiras de Mulher, Ludmila Ulitskaya: a arte de sobreviver

livrosparaadiarofimdomundo

Mentiras de Mulher

Cavalo de Ferro

155 páginas

UlitsKaya é uma escritora de que tenho lido os volumes traduzidos em Portugal. É uma autora com grande domínio da escrita, como se os seus livros fossem sempre resultado de uma rememoração, um discurso contido, mas forte, limpo, mas sublime, denso, mas humano. 

Neste caso, o livro integra várias narrativas, todas protagonizadas por mulheres, unidas pela mesma personagem, Génia, intelecutal russa, que se movimenta em diferentes cenários, de cujo percurso nos vamos apercebendo pelas informações disseminadas pelos diferentes capítulos.

Génia é testemunha e confidente de vários relatos e episódios vividos por outras mulheres, de origens, idades e profissões diferentes. Em comum, têm histórias que contêm algo de fantástico, que as eleva acima dos outros, e que começam sempre por fascinar, comover, espantar, indignar Génia. Inevitavelmente, essas histórias vêm todas a revelar-se falsas, são mentiras de mulher. Lutos, adultérios, ilusões e desilusões, esses construtos são, na verdade, estratégias de superação e de sobrevivência a que cada uma delas recorre para suportar as contingências de uma existência, anódina, indiferenciada, triste. 

Esta leitura envolve-nos, fascina-nos, intriga-nos, como sempre em Ulitskaya. É um tecer da escrita moroso, amoroso, cuidado, quase hipnótico. O tom nunca é grandiloquente, é como se esta escrita fossem relatos partilhados em surdina, mais assentes na reflexão sobre, do que nos saltos imprevistos das peripécias. Do conjunto destas mentiras, vão emergindo as indiossincrasias da sociedade russa após a queda do regime soviético.

É leitura de se recomendar, para quem quer dos livros mais do que uma história bem engrenada e procura o pulsar da grande literatura, da escrita primorosa, que nos enreda mais do que a história. 

 

 

 

02
Mai24

#3/2024 - A Porta, Magda Szabó: uma outra caixa de Pandora

livrosparaadiarofimdomundo

A Porta

Cavalo de Ferro

240 páginas

Regressei a Magda Szabó, depois do excelente Rua Katalin, cuja delicadeza, prosa poética e enorme sensibilidade me deixaram rendida.

Neste romance, há uma interessante feição autobiográfica, que coloca sempre o leitor em estado de dúvida: é uma voz confessional que aqui se afirma, é uma ficção intencional de alguns aspetos sobrponíveis e tudo o resto é pura imaginação? As fronteiras são fuidas e cria-se uma ambiguidade na escrita e no desenorlar da narrativa que nos obriga a manter sempre uma atitude interrogativa. Ora vejamos: a personagem principal assume a narrativa na primeira pessoa; é escritora de porfissão, vive numa Hungria macerada pelas convulsões sociais e políticas; é resgatada pelo regime, conhece a fama e a porjeção merecidas, dedica-se a tempo inteiro à escrita e vive, por fim, uma estranha amizade, ligação, com a mulher que contrata para a ajudar com as tarefas domésticas, Emerence, a figura esfíngica que partilha o protagonismo da história.

É um romance complexo, profundo, intenso, ainda que a ação decorra num espaço restrito, quase claustrofóbico, entre as paredes do apartamento onde Magda vive com o marido, a rua onde a casa se situa ea própria casa de Emerence, lugar proibido, fechado, secreto, misterioso, como a vida da sua proprietária.

Emerence assume o estatuto que ela mesma determina, não se coibe de criticar, questionar, observar, comentar a vida da sua patroa. É orgulhosa, eficiente, capaz de uma forma de amor que poucos parecem entender. É respeitada, quase venerada, embora não se perceba exatamente de onde vem a sua autorictas,  mas ela existe, é quase palpável.

Esta estranha relação, que se reflete também na posse do cão de estimação de Magda, é o nó de todo o romance, mas reveste-se de pregas de significado quase inescrutáveis, que permitem perceber as profundas fraturas sociais, o trauma resultante da história recente, a forma como Emerence se protege também do exterior, preservando nos seus objetos e nos seus gatos, uma espécie de identidade que lhe permite sobreviver ao seu passado, ao sofrimento que conheceu, ao isolamento e à dor.

A porta do título é a porta inexpugnável da casa de Emerence. Quando esta se abre - sem spoiler - é como se se abrisse uma outra caixa de Pandora e o mundo de ambas as mulheres desmorona-se, assim como a relação entre elas. 

É preciso ler o livro, vale a pena. É daqueles livros que merece discussão, dissecação e interpretação.

Gosto da Magda.

01
Mai24

#2/2024 - Lincoln Highway, Amor Tolwes: o melhor fica para o fim

livrosparaadiarofimdomundo

Lincoln Highway

Dom quixote,

608 páginas

De repente, por a escrita em dia, retomar esta espécie de diário de leituras, registo impressivo e meramente pessoal do que vou lendo, porque gosto de listas, porque gosto de estatísticas? porque gosto de escrever.

Segunda leitura de 2024, com um pé em 2023, porque ainda o tinha começado aí. Terceiro livro de Tolwes e o cliché dos primeiros amores. Um Gentleman em Moscovo,  continua a ser o melhor livro deste autor, para mim, claro. Os outros dois títulos publicados em Portugal estão assim dois passinhos atrás - se calhar até mais, uns metros, a bem dizer.

O livro começa com um bom impulso, interessamo-nos  genuinamente pelos dois rapazes que se perfilam como protagonistas, percebemos que há mistério a desvendar, informação bem doseada de maneira a manter-nos presos à leitura. Os dois irmãos têm uma ligação especial, verdadeiramente fraterna e cuidam um do outro. Decidem, analisadas as circunstâncias desfavoráveis em que se encontram, recomeçar a vida noutro estado, aproveitando o ensejo para percorrerem a Lincoln Highway, sonho do mais novo, essa estrada mítica que atravessa os Estados Unidos. Entretanto, surgem outros dois rapazes, que conheceram o protagonista no tempo em que esteve internado num refomatório, devido a um erro do passado.  A partir daqui o livro embala numa sucessão de peripécias e episódios, prefigurando-se como uma road storyiou road book, que, a determinada altura quase se tornam maçadores.

De facto, houve ali um momento em que o livro me começou a enfadar um bocadinho, ai mais do mesmo, etc, etc... mas, depois, ao aproximar-se do final, a narrativa ganha novo fôlego, as linhas cruzadas revelam o bordado que traçavam, as vozes e os episódios conplementam-se e a história ganha em estrutura e solidez. Até que fecha com chave de ouro, o final, longe de ser delicodoce, é surpreendente, trágico, irónico, redentor e essa reviravolta salva o livro, que se assemelha a um café forte, cujo travo persiste longo tempo após ser saboreado.

Em suma, é uma leitura que vale a pena. Amor Towels mantém o jeito para narrar histórias com grande vistuosismo e, ao mesmo tempo, resgata-se a confiança em Barack Obama, que tinha recomendado este livro. Fica ainda a nota que o livro foi presente do dia da mãe, nada sabe tão bem como perceber que os nossos filhso estão atentos e nos conhecem.

 

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