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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

13
Out24

#44/2024 - Um dia na vida de Abed Salama, Nathan Trall - anatomia de uma tragédia em Jerusalém

livrosparaadiarofimdomundo

Um Dia na Vida de Abed Salama

Livros Zigurate

208 páginas

Este é um livro de não ficção, escrito por Nathan Trall, jornalista, analista e ensaísta norte-americano, que vive em Jerusalém, que conhece bem o conflito que envolve Israelistas e Palestinianos. O autor dirigiu durante alguns anos o Projeto Árabe-Israelita do International Cirisis Group, organização independente dedicada à prevenção de conflitos.

No contexto atual que vivemos, este livro importa, para nos ajudar a compreender aquilo que todos os dias se nos revela incompreensível. Como é que este conflito vai crescendo ano após ano, sem qualquer esperança de fim à vista. Como é possível que, após tanto desperdício de vidas, de ambos os lados, ninguém tenha a coragem de trilhar o caminho da paz e da coexistência, fazendo valer as leis internacionais, o direito, os direitos humanos?

Com essa pergunta no espírito, mergulhamos na leitura do relato, que se constrói com o entrelaçar de histórias individuais face à tragédica coletiva.O ponto de partida é um acidente que envolve um camião e um autocarro de crianças em idade pré-escolar, que iriam participar numa visita de estudo. O acidente acontece do lado palestiniano, as crianças são palestinianas, na estrada de Jaba. Uma das crianças é Milad, filho de Abed Salama. como não gosto de revelar o conteúdo do livro, fico por aqui... deixando só esta nota, efetivamente há dias na nossa vida que a mudam para sempre, que deixam cair sobre nós todo o peso do contexto em que nos movemos.

O autor, partindo do acidente, desvenda a vida de várias pessoas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o episódio. É o motorista do autocarro, que nem queria fazer aquele trabalhao, cuja vida ficará para sempre assombrada e condicionada pelo acidente; é a médica que socorre na primeira linha as crianças, é o militar israelita que concebeu e coordenou as operações de construção dos vários muros que foram isolando israelitas e palestinianos, é o pai de Milad, Abed Salama, que, por ter integrado a Fatah, tem um cartão verde, que lhe veda a circulação no lado israelita, é a mãe que, perdendo um filho no acidente, se vê acusada e ostracizada pela família do marido, perdendo dessa forma toda a estrutura da sua vida pessoal, é um cidadão anónimo que ajuda a retirar as crianças do autocarro e que se deixa dominar pela revolta de as ver morrer sem que nenhum socorro surja, ainda que ali perto haja posto militares e de bombeiros israelitas, são os diferentes líderes palestinianos e israelittas que conseguem cooperar entre si, embora nem sempre a vida dos indefesos esteja na ordem das suas prioridades. Desta forma, este dia na vida de Abed Salama permite-nos revisitar as implicações de um conflito sem fim à vista, mas que vai pondo fim à vida de muitos inocentes, à esperança de várias gerações, roubando futuro a muitas crianças. 

À imagem das tragédias clássicas, o dia da vida de Abed Salama tem vintee quatro horas, mas nele cabem anos e anos de conflitos, guerra, morte e destruição que os habitantes daquela zona carregam consigo. Evidenciando mais o lado palestiniano, é-nos devolvido um retrato de um povo sitiado e acossado, deixando-nos para sempre a pergunta incómoda: como é que se pode viver assim, ainda que seja possível perceber que há escolas, comércio, negócios, no território da Palestina. Mas a vida está condicionada por uma série de obstáculos: físicos, judiciais, políticos, religiosos...  

Tratando-se de uma ensaio jornalístico a escrita é objetiva, o texto existe para dar conta, para mostrar, à maneira de Brecht, ao laitor cabe analisar, interpretar e, a partir da informação, tirar as suas conclusões. É um livro que nos leva a querer conhecer, perceber, dissecar como é que a História nos trouxe até aqui, porque é que todos os caminhso parecem dar em becos sem saída, daí que tenham investigado para perceber o que é a Fatah, o Hamas, o sionismo, um judeu asquenaze, a evolução da ocupação israelita, como foram e são criados os colonatos, como se organiza a vida do lado da Palestina.

Não é uma leitura para ficarmos de bem com a vida, mas é uma leitura que importa e não podemos ficar só pelo que é fácil e nos aliena, às vezes temos de tomar uma dose de realidade.

06
Out24

#42/2024 - O amante do vulcão, Susan Sontag: uma erupação lentamente efusiva

livrosparaadiarofimdomundo

O Amante do Vulcão

Quetzal

477 páginas

Tem sido isto, ler mais, muito mais do que escrever... o que vai esvaziando o sonho. Perante tanta obra prima, que lugar haverá para o que eu possa dizer?

Foi o primeiro livro que li desta autora, malhas da Hora H da Feira do Livro, em que há livros a quem damos oportunidade que, pelo preço, talvez não dêssemos. Graças aos deuses da descoberta. Se foi o primeiro... não vai ser o último, decerto.

O amante do vulcão é Sir William Hamilton, diplomata inglês em Nápoles, durante o período da ascensão de Napoleão. O período histórico é o contexto, as circunstâncias, nas quais as personagens se vão movimentar, elas sim protagonistas. O tema do livro não é a história, o tema do livros são as pessoas que viveram a história. Hamilton, para além de diplomata, é um colecionador, um vulcanólogo, vivendo sob o fascínio que o Vesúvio exerce sobre ele, na sua violência e imprevisibilidade. Aliás, o Vesúvio é leitmotiv  no livro, muitas vezes metáfora de metáforas. Apresentado assim, o livro até pode parecer maçador, mas a esta linha narrativa, dois aspetos se juntam que fazem com que, o ponto de partida, corresponda  a uma espécie de erupção.

A história de Hamilton poderia ser a de mais um diplomata, burocrata, interessado em arqueologia, como tantos outros, levando para Inglaterra inúmeros artefactos, como tantos outros, aproveitando-se ou não da ignorância dos locais. Mas este homem terá ficado para sempre ligado ao triângulo amoroso de que fez parte com a sua segunda esposa, Emma Hamilton, e Lord Nelson, o temerário herói inglês, vencedor de Trafalgar. Emma terá sido uma mulher fascinante na sua época, pela sua beleza e pelo seu talento, nomeadamente para recriar quadros vivos, representando muitas das heroínas históricas e mitológicas, musa inspiradora de muitos artistas. Por ela círam de amores William Hamiltonm, que com ela casou, depois de esta ter sido amante do sobrinho, causando grande escândalo na sociedade da época, mas também o herói inglês, Lord Nelson. 

Embora esta história, tantas vezes repetida em diferentes momentos da história: homem mais velho casa com mulher muito mais jovem, homem  mais velho é enganado pela esposa, para além do interesse despertado por se tratarem de personagens históricas, ganha contornos muito próprios por causa da voz narrativa, que não se coíbe de intervir, de comentar, de estabelecer paralelismos entre o passado e o presente, perspetivando diferentes momentos históricos.

A narrativa é a verdeira pérola deste livro, esta escrita intencional que Sontag assume de pleno direito, comentando, observando, refletindo, desvendado, levantando hipóteses, contaminando com o seu feminismo inteligente a forma como conta a história. Dessa forma, o livro vai-se renovando a si mesmo, até culminar nos últimos capítulos em que esta voz demiúrgica cede o lugar à voz e fala das suas personagens...

Talvez tenha dito demais, talvez haja aqui algum spoiler, mas não se preocupem o livro tem tanto para dar, ainda há margem para surpresas... procurem a mulher portuguesa, ela também merecedora de ser personagem de um romance; a voz de Emma, a voz de Hamilton. Esta obra já está ali num lugar especial da estante e do meu coração de livros.

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