#44/2024 - Um dia na vida de Abed Salama, Nathan Trall - anatomia de uma tragédia em Jerusalém
Livros Zigurate
208 páginas
Este é um livro de não ficção, escrito por Nathan Trall, jornalista, analista e ensaísta norte-americano, que vive em Jerusalém, que conhece bem o conflito que envolve Israelistas e Palestinianos. O autor dirigiu durante alguns anos o Projeto Árabe-Israelita do International Cirisis Group, organização independente dedicada à prevenção de conflitos.
No contexto atual que vivemos, este livro importa, para nos ajudar a compreender aquilo que todos os dias se nos revela incompreensível. Como é que este conflito vai crescendo ano após ano, sem qualquer esperança de fim à vista. Como é possível que, após tanto desperdício de vidas, de ambos os lados, ninguém tenha a coragem de trilhar o caminho da paz e da coexistência, fazendo valer as leis internacionais, o direito, os direitos humanos?
Com essa pergunta no espírito, mergulhamos na leitura do relato, que se constrói com o entrelaçar de histórias individuais face à tragédica coletiva.O ponto de partida é um acidente que envolve um camião e um autocarro de crianças em idade pré-escolar, que iriam participar numa visita de estudo. O acidente acontece do lado palestiniano, as crianças são palestinianas, na estrada de Jaba. Uma das crianças é Milad, filho de Abed Salama. como não gosto de revelar o conteúdo do livro, fico por aqui... deixando só esta nota, efetivamente há dias na nossa vida que a mudam para sempre, que deixam cair sobre nós todo o peso do contexto em que nos movemos.
O autor, partindo do acidente, desvenda a vida de várias pessoas que, direta ou indiretamente, se relacionam com o episódio. É o motorista do autocarro, que nem queria fazer aquele trabalhao, cuja vida ficará para sempre assombrada e condicionada pelo acidente; é a médica que socorre na primeira linha as crianças, é o militar israelita que concebeu e coordenou as operações de construção dos vários muros que foram isolando israelitas e palestinianos, é o pai de Milad, Abed Salama, que, por ter integrado a Fatah, tem um cartão verde, que lhe veda a circulação no lado israelita, é a mãe que, perdendo um filho no acidente, se vê acusada e ostracizada pela família do marido, perdendo dessa forma toda a estrutura da sua vida pessoal, é um cidadão anónimo que ajuda a retirar as crianças do autocarro e que se deixa dominar pela revolta de as ver morrer sem que nenhum socorro surja, ainda que ali perto haja posto militares e de bombeiros israelitas, são os diferentes líderes palestinianos e israelittas que conseguem cooperar entre si, embora nem sempre a vida dos indefesos esteja na ordem das suas prioridades. Desta forma, este dia na vida de Abed Salama permite-nos revisitar as implicações de um conflito sem fim à vista, mas que vai pondo fim à vida de muitos inocentes, à esperança de várias gerações, roubando futuro a muitas crianças.
À imagem das tragédias clássicas, o dia da vida de Abed Salama tem vintee quatro horas, mas nele cabem anos e anos de conflitos, guerra, morte e destruição que os habitantes daquela zona carregam consigo. Evidenciando mais o lado palestiniano, é-nos devolvido um retrato de um povo sitiado e acossado, deixando-nos para sempre a pergunta incómoda: como é que se pode viver assim, ainda que seja possível perceber que há escolas, comércio, negócios, no território da Palestina. Mas a vida está condicionada por uma série de obstáculos: físicos, judiciais, políticos, religiosos...
Tratando-se de uma ensaio jornalístico a escrita é objetiva, o texto existe para dar conta, para mostrar, à maneira de Brecht, ao laitor cabe analisar, interpretar e, a partir da informação, tirar as suas conclusões. É um livro que nos leva a querer conhecer, perceber, dissecar como é que a História nos trouxe até aqui, porque é que todos os caminhso parecem dar em becos sem saída, daí que tenham investigado para perceber o que é a Fatah, o Hamas, o sionismo, um judeu asquenaze, a evolução da ocupação israelita, como foram e são criados os colonatos, como se organiza a vida do lado da Palestina.
Não é uma leitura para ficarmos de bem com a vida, mas é uma leitura que importa e não podemos ficar só pelo que é fácil e nos aliena, às vezes temos de tomar uma dose de realidade.