#2/2025 - Eu canto e a Montanha Dança, Irene Solà
192 páginas
Cavalo de Ferro
Não sei se ler é o melhor remédio, sei que é um bom remédio. Ler é tudo o que já se disse e um pouco mais que cada um de nós acrescenta. Ler, no caso deste Eu canto e a montanha dança, é uma experiência estética que agrega beleza e poesia, como se fossem coisas diferentes. Ler é flutuar fora do tempo e do espaço e ao mesmo tempo num tempo e num espaço que é recriado pelas palavras que fluem, que preenchem a nossa perceção. Ler pode ser e é uma experiência intensamente sensorial.
Se houver alguém com paciência para ler estas palavras, não será para encontrar aqui a sinopse de um livro. Decerto procura um motivo para ler e, em particular, para ler este livro. Muito brevemente, o enquadramento da narrativa - atenção não da ação, não das palavras, porque tudo neste livro é complexo e tecido de várias camadas, daí que fuja de expressões redutoras, procuro uma forma abrangente de dizer - são os Pirinéus, eles também personagem.
O que torna este livro objeto a ser lido é, em primeira instância, a forma como memória e identidade nele se fundem: tudo é espaço de convergência - as pessoas, os animais, a natureza, as plantas, as nuvens, a chuva e o raio, os fantasmas, os seres feéricos e mágicos, míticos e imaginários. Tudo se revolve numa espiral que se refaz, não há acaso, não há exceção, não há individualidade, é uma longa e inexorável cadeia que tudo une e interliga.
Os lugares aqui descritos são aldeias recônditas, simultaneamente antiquíssimas e de hoje, nelas vivem homens e mulheres que têm o domínio dos silêncios e da distância, mais de ontem do que amanhã. Pendularmente situados entre uma espécie de panteísmo que é de inspiração antropomórfica. Essa característica contribui para a polifonia do livro, todos os seres são sujeito de narrar, todos contribuem para a composição final, todos convergem.
A composição do romance convoca e desafia o leitor, que não pode ser passivo, tem de ter atenção plena, tem de recompor, reconstruir, reestabelecer a linearidade que a narrativa fragmentou, é agente, é co-narrador.
É um romance belíssimo, no qual se cria uma atmosfera de lenda e de saga, de fantástico e de maravilhoso, de linguagem que narra poetizando o objeto contado. É mesmo muito bonito, como os olhos do corço, é arguto como as nuvens, poético como os montanheses que não escrevem as suas poesias, antes as dizem, misterioso como as mulheres de água, intencional, como as bruxas, frágil como as suas personagens, marcado pela memória como tudo e todos. Todos estes elementos ali constam, pelo meio é possível reconhecer uma história, mas esta é parte e não fim.