#22/2020 - Tudo é possível, Elizabeth Strout - histórias em caleidoscópio
Editora Alfaguara
Páginas: 236
Este livro chegou-me como gosto que me cheguem a maior parte dos livros: uma amiga leu, descreveu-o como um livro muito bonito e, como não estamos em tempo de empréstimos, acabei por comprar... como se eu precisasse de pretextos.
É uma leitura daquelas que prende, com uma enorme vantagem, a autora adota, como estratégia narrativa, estruturar este livro como se fosse uma colagem de pequenas histórias, e é-o de facto, mas elas estão todas relacionadas umas com as outras, ou melhor as personagens que as protagonizam estão relacionadas entre si. Dessa forma, o livro lê-se como um romance, mas com o ritmo de um volume de contos. O que, digamos em bom rigor, é bom para "largar o livro" para dormir, por exemplo.
Por acaso, por acaso, achei que a sinopse oferecida na contracapa não corresponde exatamente ao cerne do livro. Muito mais do que o regresso de Lucy Barton, o que a obra nos oferece é um caleidoscópio constituído pelas histórias íntimas de cada uma das personagens que, efetivamente, se relacionam ou relacionaram com Lucy Barton, uma escritora de sucesso que escapou à trituradora de vidas que as pequenas comunidades parecem ser. Mas é mais do que isso, é também aquele lado inconfessável que todos nós guardamos e que, tantas vezes, nos explicam, ou pelos menos levam-nos a compreender muitas das nossas opções. Umas vezes fazem de nós cínicos mortos de medo por aquilo que testemunhamos, outras vezes o sucesso não é suficiente para sanar a pobreza e carência que conhecemos; a violência é muito mais frequente do que sonhamos; a sexualidade reprimida enlouquece-nos pelo medo de não sermos aceites; o amor nem sempre é redentor; os casamentos sobrevivem mais pela cobardia que pela paixão; Deus às vezes faz-se presente e essa fulguração estrutra-nos para todo o sempre; o sofrimento cunha a desconfiança; a insegurança disfarça-se com animosidade; a redenção vem de onde menos se espera. Estas e outras coisas são a matéria com que se costuram estas histórias.
Confirmo é um livro bonito. Mas atenção não é delidoce, não é Nicholas Sparks. Nada disso, por vezes é mesmo muito cru. Mas fica, fica connosco e é até edificante.
Leiam, porque tudo é possível.