#29/2023 - O coração é um caçador solitário, Carson McCullers: um livro onde morrem todos os sonhos.
355 páginas
Editorial Presença
Andava há muitotempo para ler este livro, undicado como um dos 100 melhores livros do século XX, segundo a Time Magazine. Foi a minha leitura nas duas últimas semanas, emprestado por uma amiga, com quem partilho o gosto pela leitura.
O livro narra-nos as histórias de cinco personagens, na Geórgia da década de 20. As personagens são um surdo-mudo, uma jovem adolescente, um médico negro, o dono de um café e um socialista. Habitantes de uma pequena cidade do sul da América, partilham as mesmas circunstâncias de pobreza, marginalização, violência e desesperança. O surdo-mudo, senhor Singer, é como um centro em torno do qual gravitam as restantes personagens, que fazem dele confidente, dando-lhe a conhecer os seus sonhos, angústias e anseios, num tempo que parece fermentar de expectativas que nunca chegam a concretizar-se.
É uma narrativa serena, muito melancólica. Nada parece suceder e parece que tudo é possível. A história vai crescendo em tensão, prendendo o leitor que percorre as páginas também à espera de saber o que virá a contecer no futuro destas personagens tão complexas. Será que Mick virá a tornar-se numa grande compositora? Será que o dr. Copeland conseguirá que os direitos dos negros venham a ser respeitados? Será que Bill Brannon encontrará o amor, esclarecendo a ambivalência dos sentimentos que manifesta? Será que os homens conseguirão entender a verdade que Jake Blount quer que todos conheçam?
A chave do livro, em minha opinião, está na incomunicabilidade que se estabelece entre estas personagens. Quando acontece encontrarem-se todos no mesmo espaço - o quarto do senhor Singer para o qual convergiam todos os dias - nenhum deles consegue falar com os outros, a tensão é tão palpável que entre eles nutrem uma verdadeira aversão e acabam por dispersar porque, na verdade não se toleram. Embora todos queiram o mesmo, a realização dos sonhos numa terra estéril que, por si só, parece secar e fazer mirrar o sonho mais consistente, não conseguem comunicar uns com os outros e essa incapacidade parece ditar o fim dos sonhos, tragados pelas circunstâncias adversas que nenhum deles consegue vencer. Quanto a mim, o paradigma dessa incomunicabilidade está simbolicamente representado no facto de todos partirem do pressuposto de que o senhor singer os compreendia e que prestava atenção aos seus desabafos, quando este convivia com eles, fechado no seu mutumismo e surdez congénitos, com verdadeira indiferença, consumido pelas suas próprias preocupações.
É um livro sobre desencontros inexoráveis, que sintetizam os desencontros de uma sociedade fraturada, racista, violenta, cujas tensões a pressionam até explodirem em confrontos, em intolerância, em violência quase generalizada. É um livro atual, que nos alerta para o perigo de não nos abrirmos ao outro e de não conseguirmos estabelecer pontes. Gostei muito e gostei que o livro me prendesse à leitura com a firmeza e a consitência com que está escrito, já que, a título curiosidade, foi o primeiro livro da autora a ser publicado, com a idade de 23 anos. Sinto inveja...