#3/2020 - Pedra de afiar livros e outras histórias de um livreiro, Jaime Bulhosa
Editora: Oficina do Livro
Páginas: 270
Género: memórias/biografia
Modo de ler: empréstimo (orgulho por não ter comprado)
Para Guardar:
"A vida e a mentira são sinónimos"
"A arte de agradar é a arte de enganar"
Autran Dourado, autor brasileiro que estudei aprofundadamente, recorreu, a propósito das memórias ficcionais de uma das suas persoangens, à metáfora do bordado, o livro que ia escrevendo dessa forma, assemelhar-se-ia a um bordado que se vai mantendo ao longo dos tempos, completando-se ponto após ponto, num vagar que é a verdade de não ter pressa de acabar. Quem não se lembra do bordado de Maria Eduardo em Os Maias?
Essa é a metáfora que se adequa ao prazer que me deu a leitura deste livro e que se justifica/explica por pormenores delicados. Eu gostei de tudo neste livro, começando pela capa que indicia a multiplicidade de livros a que se faz referência ao longo destas páginas e que anotei, em alguns casos relembrei, a intenção de ler, em especial O Deus das Moscas. Porque este é um livro escrito por um livreiro que ama a sua profissão e que levou muito à risca um dos deveres que, a páginas tantas, enuncia num dos fragmentos: o dever de ler. É, por isso, um livro de quem gosta de livros para todos aqueles que gostam de livros. Mas também para os outros que, apesar de não gostarem, sentem, por vezes, o impulso, a "pena" de não ler. Ora se começarem por aqui, decerto que vão sentir aguçada a curiosidade e, indubitavelmente, vão gostar, porque me parece impossível que não se goste deste livro.
A sua estrutura fragmentada - há dias, uma aluna dizia-me que eu gostava muito de livros fragmentários, mas a verdade é que é uma forma muito conveniente de texto e de leitura - permite que o leiamos a qualquer momento, sem receio de perdermos o fio à meada. Por outro lado, a ordem também pode ser a que queiramos. Pode começar-se pelo fim, pode folhear-se e escolher-se uma história ao acaso, enfim, é quase um texto enciclopédico, porque podemos ir por qualquer "entrada", qualquer verbete.
As histórias que o compõem são de índole muito diversa: roçam, em alguns casos, o fantástico; noutros a curiosidade; por vezes, o registo biográfico, a memória; noutros casos, aproximam-se do livro de instruções, mas em todos a presença do livro e do prazer da leitura. É a oportunidade de usufruir de pequenos prazeres que fazem lembrar a entrada filosófica do início do filme Forrest Gump, este Pedra de Afiar é também como uma caixa de chocolates, nunca sabemos o que cada uma destas histórias nos trará.
Adoro este livro e, embora o tenha lido como empréstimo, a verdade é que quero muito tê-lo, porque é um daqueles textos a que podemos sempre voltar a propósito de tudo e de nada, recorrendo aos seus fragmentos para múltiplas coisas, inclusivamente para as reler. Gostei de "conhecer" Jaime Bulhosa, também, alguém que se lembra do nome "Pós dos livros" para uma livraria é alguém que valerá a pena conhecer.