32/2020 - Aprender a falar com as plantas, Marta Orriols: reaprender a viver na era do luto
Editora: Dom Quixote
240 páginas
Emprestado - este ano a média das leituras nesta modalidade vai bem, obrigada. É preciso aprender e fazer coisas novas. Não esquecer de devolver o livro!
Ultimamente o meu radar de atenção tem andado dividido entre os livros e a minha nova paixão, as plantas. Esta última tem-se mostrado um desafio muito absorvente, ou de como a minha personalidade tem traços de pessoa com facilidade em criar adições e de as somar também, porque umas não anulam as outras. Penso constantemente em ter mais livros e em ter mais plantas. Já enveredei por um excurso desnecessário, o que eu queria dizer é que a motivação para ler este livro teve a ver com o título. Isso e a recomendação de uma amiga que disse que tinha sido uma boa surpresa.
Aprender a falar com as plantas - pasme-se - tem muito pouco a ver com plantas e com a aprendizagem de falar com elas, é apenas um apontamento na história e nem muito importante, mas deu um bom título. A verdadeira história tem a ver com o percurso de Paula, a protagonista, que perde o marido duas vezes no mesmo dia. Claro que, se lerem a sinopse, vão perceber porquê, mas fica aqui a incógnita que é para terem uma motivação extra para procurarem o livro.
Na segunda vez que pede o marido, Paula não terá como o recuperar, já que a morte é uma perda definitiva. Sim, é verdade, mais um livro deste ano de 2020 que aborda o doloroso percurso que é preciso empreender para superar a perda de alguém que nos é querido, mesmo quando nos limitamos a viver com essa pessoa como se ela fosse uma velha cmaisola de lã que vestimos pelo conforto. Mas é essa a reflexão que o livro nos proporciona, a de sempre e a mais importante: é preciso valorizarmos e cuidarmos enquanto temos tempo e oportunidade. Memorando a reler a cada novo dia, essa nova oportunidade que tendemos a dar como certa, como se fôssemos imortais, eternos e indestrutíveis, depois vem a COVID-19, mas não vamos por aí, não é preciso tanto.
O desenho do romance é muito isto: um longo monólogo interior em que Paula equaciona a sua vida depois da tragédia, tentando várias soluções sem que nenhuma delas a convença já que, em caso algum, lhe devolverá o que perdeu. Mas é também uma imersão no passado, a revisitação de outras perdas que a marcaram desde a tenra infância, a rememoração do papel do pai no seu crescimento, a forma como vive o seu trabalho, ele também marcado por um jogo de sorte e azar, em que umas vezes se ganha e outras se perde, e a derrota quer dizer morte e inexorabilidade.
É um livro bonito, cuidado, sensível, cru em alguns momentos, mas que nos toca, porque todos nós, ou já vivemos a perda, ou havemos de viver - não creio que se atravesse a vida a ser apenas a perda dos outros, se assim for é porque somos daqueles a quem os deuses amam e não escrevemos textos em blogs a meditar sobre a morte, seremos sim fonte de meditação.
Leiam, porque relatos que nos devolvam a imagem da nossa efemeridade e da nossa transitoriedade são sempre oportunos para nos relembrar a lição da humildade e a chamada de atenção para amarmos mais e melhor.