#33/2020 - Se esta rua falasse, James Baldwin - da arte de nos fazer sentir impotentes
Editora Alfaguara
Páginas 208
Se esta rua falasse é um romance de James Baldwin ao qual é muito difícil ficar indiferente. Se calhar, para algumas pessoas até é, que sei eu? A mim tocou-me profundamente, como não quando há no romance frases como esta "Gostava que ninguém tivesse de olhar através de um vidro para alguém que ama."
O livro narra a história de Tish e de Fonny, jovens apaixonados que sonham construir a vida em conjunto, fora do bairro onde viveram desde sempre e onde se conheceram. No entanto, são brutalmente separados e veem os seus sonhos desfeitos quando Fonny é injustamente acusado de ter violado uma mulher e é preso. As páginas do livro levam-nos a acompanhar o estado de espírito de Tish, que oscila entre a esperança e o desespero, a crença e a descrença, o amor e a impotência, a coragem e o temor. A verdade é que Fonny e Tish são negros e essa é uma circunstância que, na época como hoje, condiciona o seu presente e compromete o seu futuro. À sua volta, numa luta contra o tempo, marcado pela data do julgamento e pelo facto de Tish estar grávida, congregam-se os esforços de todos para tentar provar a inicência de Fonny e devolver aos jovens a vida que injustamente lhe foi amputada.
O livro foi publicado em 1974 e poder-se-ia pensar que se trata de um relato muito datado, que as coisas já não são bem assim, que todos são tratados de forma igual perante a justiça, independetemente da cor da pela, dos credos e de outras tantas distinções artificiais que marcam a nossa sociedade. Não seria preciso concluir esta reflexão, é claro que o livro se mantém atualíssimo, que a justiça é muitas vezes arbitrárias e que as pessoas não são tratadas da mesma maneira, nem no supermercado, quanto mais quando suspeitas - ainda que falsamente - de terem cometido um crime. É um libelo contra a injustiça, é um beliscão no nosso alheamento, é atual, é penoso.
Que andaremos por cá a a fazer se as coisas se mantêm tão inalteradas, se o mal perdura e o bem não dura? Esta constatação de que a sociedade, a civilização, a cultura, o género humano, sei lá eu o quê, não têm andado para melhor, antes pelo contrário. Em muitos casos, o que notamos é uma regressão.
Se esta rua falasse é daqueles livros que temos de continuar a ler como exercício de aperfeçoamento, que temos de recomendar, de emprestar, de aí voltar para que a nossa visão não se obscureça com a ilusão do progresso. Recomendo, a este propósito, também a série When they see us - é na mesma linha, mas baseada em factos.