#35/2020 - Manual para mulheres de limpeza, Lucia Berlin - uma descoberta maravilhada
Editora Alfaguara
526 páginas
Depois de ler este livro, o primeiro que li desta autora, o comentário que me ocorre desde logo é: como é que só li Lucia Berlin tão tarde na minha vida? Sim, foi uma descoberta cheia de maravilhamento. A escrita de Berlin é única, surpreendente na sua força e no fascínio que exerce sobre nós.
Mas recuemos um pouco, antes de ler é importante conhecer alguns aspetos da vida da escritora que, mercê das muitas voltas que deu, lhe ofereceu experiências muito diferentes, o conhecimento de muitas formas de vida, as múltiplas profissões que exerceu, os altos e baixos de uma existência que ela soube verter em apontamentos autobiográficos nos seus contos, os filhos, os casamentos, a família, a mãe, a irmã. No entanto, tudo é sublimado numa moldura literária que poucos conseguem. Há que dizê-lo: Lucia Berlin é uma escritora magnífica. Que me desculpem os apreciadores de fenómenos como Elena Ferrante, mas Lucia Berlin é literatura no seu melhor, é arte.
Assim que comecei a ler o livro, fiquei rendida ao ritmo narrativo. A forma magistral como se vai doseando o conhecimento desta galeria de figuras entre o trágico e o cómico, com predominância do trágico - porque, na verdade, a vida é muito mais trágica do que cómica- prende-nos logo. É daqueles livros difíceis de largar, em que damos por nós a pensar "só mais uma página" e foram cinquenta. Há depois um pormenor que explica um bocadinho esta imersão que nos leva a ir cada vez mais fundo nesta leitura: é o facto de muitos contos começarem in media res, isto é, como se entrássemos numa sala e escutássemos uma conversa que estava a decorrer e que nos chama a atenção e ficamos a ouvir, esquecidos do que se passa à nossa volta.
O texto da contracapa refere reverência por parte de críticos e leitores por todo o mundo, pois bem, serei mais um deles. Essa reverência nasce também da crueza com que as histórias são narradas: as drogas, o alcoolismo, os abortos, a fronteira entre os EUA e o México, o glamour de Santiago do Chile, as famílias disfuncionais, o ódio e o amor, o perdão, o regresso, a morte, a promessa da morte, o anseio pela morte, o amor, o desamor, a ilusão e o engano, filhos que morrem por os amarmos demais.
Parece que o reconhecimento de Lucia Berlin chegou mais tarde à vida dela do que a sua escrita à minha. É sempre pena. Seria muito bom que o reconhecimento chegasse tão cedo quanto se merece. No entanto, devemos sempre ficar gratos a quem oferece aos outros vislumbres do Belo, e é isso que acontece neste volume de Lucia Berlin. Todas as histórias são únicas, embora algumas delas se completem, ou nos ofereçam outra perspetiva.
Recomendo vivamente este livro e sinto uma espécie de ternura fora do tempo que gostaria muito que Lucia soubesse que sinto, ela é tão desmedidamente humana, ela é tanto de tantos de nós, ela é a queda e a redenção. Apetece dizer, gosto de ti Lucia Berlin, admiro a tua humanidade e revejo-me nela e comigo tantas pessoas a quem dás rosto e emprestas o palco para que contemplemos a diversidade da vida.