#37/2020 - Aquilo em que eu acredito, Helena Sacadura Cabral - o tempo, esse grande escultor
Editora: Clube do Autor
Páginas: 255
Emprestado, hashtag orgulho.
Este foi o primeiro livro que li de Helena Sacadura Cabral, personalidade que tenho vindo a admirar à distância. A leitura confirmou essa impressão de uma senhora cuja verticalidade é possível ir pressentindo aqui e ali. Curiosamente, o que mais gostei no livro - assim gostar mesmo, aquelas coisas que nos tocam, foi o seu início e o seu fim. Explico melhor. Logo no início, a autora faz um excercício curioso, uma espécie de autorretrato, indicando sete coisas de que gosta e sete coisas que detesta. É um exercício que podemos fazer também e comparar os "cromos". No final, inclui um poema maravilhoso-realista sobre este nosso Portugal, tão fácil de amar, mas pelo qual não podemos deixar de lutar.
Não resisto a citar o poema
"Metade de Portugal
É alegria
A outra metade
Melancolia.
Metade de Portugal
É esperança
A outra metade
Desconfiança.
Metade de Portugal
É solidão
A outra metade
É festa.
Metade de Portugal
É turbilhão
A outra metade
Silêncio.
Quem dera que Portugal
Fosse apenas a metade
Que o país precisa ser!"
Entre estes dois momentos, temos um conjunto de textos, pequenas crónicas, que analisam episódios dispersos da vida social e económica de Portugal, sob a perspetiva de Helena Sacadura Cabral. A autora é muito lúcida, equilibrada, justa e crítica. Sendo economista de formação, tem sobre os anos tumultuosos da crise de 2011 uma visão mais desapaixonada do que a maioria de nós, porque sabe exatamente do que está a falar. A este respeito, é óbvio que o livro se torna muito datado, Vítor Gaspar já não é ministro das finanças, a Geringonça tem governado o país, a troika foi-se embora, o país ficou mais pobre, a nu ficaram muitas das nossas fragilidades culturais, o país recuperou, quando a recuperação ia a todo o vapor, veio a COVID-19, mas ao menos não foi só para os países periféricos e estamos de joelhos outra vez. Eis em traços largos o resumo da última década - sim, é isso mesmo, trata-se de uma década.
No entanto, como acontece com outros textos, há neste livro muita coisa que se mantém dolorosamente atual e há outras que convém relembrar. Temos tendência a ter memória de peixe para os acontecimentos que agitam a nossa sociedade e não é raro ouvirmos as mesmas pessoas a dizerem o contrário do que afirmaram publicamente. Atenção que não há problema nenhum em mudarmos de ideias. Deus nos livre das pessoas que pensam sempre da mesma maneira. O problema é mudar-se de ideia dependendo do lado em que nos encontramos. Se somos oposição, somos contra, se somos governo, a culpa é do passado...
Em termos de objeto de leitura, o livro é daqueles que eu gosto para ir lendo entre outras coisas . Como são pequenos textos, pode ler-se em qualquer lugar, independentemente do tempo disponível. Já disse e repito que gosto sempre de ter um livro com esta estrutura à mão para aproveitar pequenos instantes em que posso ler. Por falar nisso, estou aberta a sugestões.
Ler este livro é revisitar anos recentes da nossa história e também da história europeia e mundial e ver como as coisas evoluíram, ou regrediram. Nuns casos, o pior cenário confirmou-se, noutros -como foi o caso dos dias negros em que se negociou o resgate de Grécia, o susto foi grande, o preço elevado, mas a Europa sobreviveu ao terramoto. Quem diria que o projeto Europeu teria a sua primeria brecha por causa do brexit? É por estes motivos que é uma leitura interessante. A crónica do quotidiano é importantíssima para os balanços. A História é escrita posteriormente e a equação tem fórmula resolvente. O calor dos acontecimentos expresso nestes tipo de escrita é um documento histórico por si só e deve ser ianlienável.
Gostei. Amanhã deixo-vos o meu exercício à imagem de Helena Sacadura Cabral.