#45/2020 - A educação de uma fada, Didier Van Cauweleart: arqueologia das estantes
Editora Ambar
196 páginas
Encontrado numa escavação arqueológica nas minhas estantes.
É verdade, o grau de desconhecimento do conteúdo das minhas estantes é preocupante, se não for senilidade, é decerto prova de que compro mais livros do que aqueles que leio e isso não me deixa feliz. Não me lembro onde comprei este livro, não me lembro quando o comprei. A edição é de 2001. é mais recente do que julgava.
Um dia destes, procurando outra coisa completamente diferente, deparei-me com este livro. Este ano, uma das ideias que tive para presente de Natal para uma pessoa de quem gosto muito foi oferecer um dos livros da minha estante. A ideia era dar um presente com verdadeirovalor afetivo - dar um dos meus livros é dar um pouco de mim, sem anestesia - além de ser mais sustentável. A decisão não foi fácil, era preciso que eu já o tivesse lido, era preciso que eu tivesse gostado, uma das hipóteses teve de ser colcada de parte, por ser demasiado triste. E isto já parece um episódio dos Simpsons, não era disto que eu vinha falar. Enquanto selecionava o livro, encontrei este, parecia-me excelente para oeferecer, mas não podia ser, eu não me lembrava de o ter lido. Acabei por me decidir por outro e por tirar este da estante e decidir-me a lê-lo.
Chegei neste preciso momento dessa leitura. Estou a escrever a quente. Hoje é um dos meus dias preferidos. Depois da azáfama do Natal, das idas e das vindas, da cozinha e etc, o dia 26 de dezembro calhou a um sábado e um sábado frio. Com a lareira acesa, dediquei-me a horas tranquilas de leitura. Se isto não é a felicidade, não sei o que seja. Mas não foi bem uma leitura, foi uma voragem.
A estrutura do romance obedece ao fluxo de consciência dos seus dois protagonistas: Nicolas, um criador de jogos e brinquedos, e Cesar, uma emigrante iraquiana, curda, operadora de caixa num supermercado, que se conhecem e se leem pelos olhares trocados na caixa, tentando conhecer o outro nesse entremeio breve. São almas sensíveis, que carregam as suas mágoas e incertezas acerca do futuro. Pelo meio, há Raoul, uma criança de sete anos, que precisa desesperadamente de uma fada que lhe conceda três desejos. E o resto é uma escrita inteligente, sensível, bem-humorada, comovente e fluida que nos permite horas de excelente leitura. Há, neste livro, passagens belíssimas, verdadeiros bombons de Natal, que somos forçados a reler para intensificar o sabor. É tão bonito este livro! Pontuado de episódios enternecedores, edificantes e verdadeiros momentos de inspiração para nos conduzirmos na vida. Tornou-se, neste dia, um dos melhores livros que li em 2020. A arqueologia é uma ativiade que compensa.
Já quanto ao autor, que parece não estar praticamente traduzido em português - agora que eu me sentia capaz de aprofundar a sua obra - é um importante escritor francês, bastante premiado, cujos livros inclusivamente se encontram adaptados aos cinema, como o filme Desconhecido/Sem Identidade, com Liam Neeson, de 2011. Quem diria?
Vou ali às minhas estantes, procurar mais uns livros..., mas não é já, porque hoje comprei mais um livro, O barulho das coisas ao cair, de Juan Gabriel Vásquez, a culpa não foi minha, tinha 10 euros de desconto na Bertrand. Já vos conto.