#7/2024 - Mentiras de Mulher, Ludmila Ulitskaya: a arte de sobreviver
Cavalo de Ferro
155 páginas
UlitsKaya é uma escritora de que tenho lido os volumes traduzidos em Portugal. É uma autora com grande domínio da escrita, como se os seus livros fossem sempre resultado de uma rememoração, um discurso contido, mas forte, limpo, mas sublime, denso, mas humano.
Neste caso, o livro integra várias narrativas, todas protagonizadas por mulheres, unidas pela mesma personagem, Génia, intelecutal russa, que se movimenta em diferentes cenários, de cujo percurso nos vamos apercebendo pelas informações disseminadas pelos diferentes capítulos.
Génia é testemunha e confidente de vários relatos e episódios vividos por outras mulheres, de origens, idades e profissões diferentes. Em comum, têm histórias que contêm algo de fantástico, que as eleva acima dos outros, e que começam sempre por fascinar, comover, espantar, indignar Génia. Inevitavelmente, essas histórias vêm todas a revelar-se falsas, são mentiras de mulher. Lutos, adultérios, ilusões e desilusões, esses construtos são, na verdade, estratégias de superação e de sobrevivência a que cada uma delas recorre para suportar as contingências de uma existência, anódina, indiferenciada, triste.
Esta leitura envolve-nos, fascina-nos, intriga-nos, como sempre em Ulitskaya. É um tecer da escrita moroso, amoroso, cuidado, quase hipnótico. O tom nunca é grandiloquente, é como se esta escrita fossem relatos partilhados em surdina, mais assentes na reflexão sobre, do que nos saltos imprevistos das peripécias. Do conjunto destas mentiras, vão emergindo as indiossincrasias da sociedade russa após a queda do regime soviético.
É leitura de se recomendar, para quem quer dos livros mais do que uma história bem engrenada e procura o pulsar da grande literatura, da escrita primorosa, que nos enreda mais do que a história.