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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

02
Jan23

1#2023 - Dissipatio I

livrosparaadiarofimdomundo

Foi final do ano, fecho de ciclo, inspiração para uma nova volta, uma nova viagem, que começa agora, findos os fogos de artífício(que não vi), as festas (a que não fui), as viagens a destinos exóticos (que não fiz), os desejos (que não formulei), as passas (que eram arandos), os brindes (a única parte do ritual que respeitei).

Nos últimos dias do ano velho, fui, mentalmente fazendo balanços, como  a maior parte dos mortais (acho eu) e dessa contagem houve reflexões que foram ficando e que me servirão para outro balanço, o impulso para empreender pequenas mudanças que, a acontecerem, hão de ser visíveis à distância.

É nesta parte que os incautos que me leem pensam: oh, não, mais um post sobre resoluções de ano novo. É quase isso, mas o blog é meu e eu escrevo sobre aquilo que eu quiser, nem que seja para daqui a uns meses pensar "fui mesmo eu que escrevi isto?"

Ora bem, em 2022, não fiz nada do que queria fazer! Não perdi peso, perdi a determinada altura, mas, como sou sovina, recuperei tudinho outra vez. Li muito menos do que queria, mesmo menos, longe do livro por semana, que é sempre o meu objetivo. Não cuidei mais de mim. Senhoras, ficam a saber que não limpei sempre a pele à noite e, em dias mesmo maus, inclusivamente dormi com a maquilhagem que voltei a usar, depois de já não me poder esconder atrás das máscaras, de maneiras que acordei muitos dias com os olhos borrados de rímel e o ar de um panda com insónias há duas semanas. De manhã, limpava tudo e voltava a sujar com mais uma camada de maquilhagem. Para compensar voltei a usar protetor solar. Não cuidei da casa como gostaria, que é um adversário que me vence sempre. Lá vou eu de peito feito  achar que esta semana é que é, que vou chegar a sábado sem uma peça fora do sítio, nem uma chávena no lava-loiça, nem um sapato atravessado, mas até ver nunca aconteceu, acho que são mitos urbanos. Não bebi  dois litros de água por dia, não fiz mais exercício, nem menos, já agora, porque simplesmente não faço (há aqui um lamentável exagero, creio que fiz umas dez vezes passadeira). Em suma, no final de 2022, não era uma versão melhor de 2021, resta-me a esperança de ter sido melhor pessoa, mas como isto não é confessionário, permito-me reservar esse balanço apenas para mim, também para não envergonhar ninguém com as minhas boas ações.

A verdade é que tenho vivido como se fosse imortal, como se não envelhecesse, como se não perdesse capacidades e massa muscular, como se o meu corpo continuasse a ser invisível, levando-me de um lado para o outro, sem que tenha consciência dele, sem que sinta dor, nem limitação, para além da consciência do excesso de peso. Mas é um corpo que me tem servido bem, que aguenta a minha energia, que abençoadamente é sempre muita e me deixa fazer coisas e coisas e coisas. Eis que, no final do ano, o meu corpo se materializou e começou a gritar-me que estava ali e que precisava de manutenção, ou pelos menos de algum cuidado. Dei comigo a cansar-me de posições, a ter cosnciência das costas, a arrastar um braço que se lamenta a cada movimento rotativo, a ter problemas de sono que persistiram mais do que uma ou outra noite, a ter de voltar atrás, porque o corpo se atrasava durante o dia.

Em 2023, vou ter de cuidar deste corpo, preciso dele, logo não o posso deixar esquecido, ou ir rejeitando as partes que vão funcionando com mais dificuldade. Tenho de arranjar o que está desgastado. Esta é a grande resolução: autocuidado, físico e emocional. As minhas resoluções deixaram de ser uma epopeia de coisas que nunca vou concretizar, afuniliaram-se, objetivaram-se na crença de que se todos os dias conseguir ser um pouco mais,fazer um pouco mais, cuidar um pouco mais, juntando isto tudo, no final de 2023, terei feito grande diferença. Daqui a 365 dias, ou sei lá quantos, conto-vos como me saí.  

30
Out22

Insólito e a brutalidade da realidade.

livrosparaadiarofimdomundo

Na fila do supermercado, estava um jovem um pouco deslocado, tímido. Perguntei-lhe se estava na fila. Acenou que sim. Disse-lhe que era melhor alinharmo-nos com a fila. Indicou-me que passasse à frente. Recusei e pedi-lhe que se colocasse à minha frente.

Entretanto, anunciaram que iram abrir a caixa 3. As pessoas atrás de nós precipitaram-se para a caixa 3, daquela maneira que não posso deixar de amar: a correr não vá dar-se o caso de perderem a oportunidade de sentirem que ganharam o dia por ultrapassarem os pouco inteligentes que respeitam a ordem nas filas. Permanecemos na fila, eu com a minha família e o jovem. Pela situação que vim a testemunhar, ainda bem que assim foi.

O jovem colocou as compras no tapete e, distraidamente, fui anotando aquilo que ele estava comprar: bananas, lima, um frango, duas embalagens de quiabos, três caixas de atum... e fui pensando que seriam compras para a sua semana. Entretanto, quando a menina da caixa indicou o preço das compras tudo se precipitou: aqueles bens alimentares custariam 20 euros. A surpresa, primeiro, o desnorte depois. O jovem começou a tirar do saco as compras que já tinha arrumadas e, num fio de voz, balbuciou qualquer coisa ininteligível. A menina perguntou-lhe quanto tinha e ele respondeu 10 euros e, lentamente, mas com atrapalhação, começou a tentar escolher o que poderia levar. Nesse momento, tive um momento de inspiração e disse à menina que pagaria a diferença. Num momento confuso, a menina explicou-lhe que podia levar tudo, enquanto ele continuava a estender os seus 10 euros. Perante o seu desamparo, disse à menina que pagaria tudo.

Quando ele percebeu, olhou-me e começou a agradecer inúmeras vezes. Perguntei-lhe se queria ajuda com as compras e ele continuava a dizer-me que Deus me recompensasse cinquenta vezes. Arrumámos as compras e ele foi. Eu fiquei a pagar as minhas compras. Não olhei em volta, desejosa de que tudo aquilo tivesse sido discreto e que ninguém se tivesse apercebido.

Obviamente, era um imigrante, obviamente perdido na língua, nos preços, talvez até na moeda. Obviamente, deslocado, só, longe da sua terra, longe da segurança, ou fugido da insegurança.

Fiquei tão triste. Gostava tanto que fosse possível fazer mais do que isto. O desconcerto do mundo é uma coisa que me aflige tanto. Não consigo deixar de pensar, a propósito do discurso de uma certa força política, que exigia a fiscalização à forma como os contribuintes portugueses vão gastar os 125, ou 50, distribuídos, que faz da desconfiança face aos mais desfavorecidos uma forma de estar, um paternalismo pernicioso, como se quem tem menos não soubesse senão gastar em drogas e bebidas alcoólicas...Dizia, não consigo deixar de pensar nisto: que será viver este desamparo, esta estranheza, esta solidão, este arriscar-se a isto, porque é o melhor a esperar.

Fiquei tão triste com o desconcerto do mundo.

24
Out22

#8/2022 - No jardim do Ogre, Leila Slimani: espreitar os abismos da alma

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - No Jardim do Ogre

Alfaguara

178 páginas

Leila Slimani foi, em conjunto com António Mega Ferreira, uma das minhas descobertas em 2022. Ao todo já li três dos títulos que tem publicados em Portugal. 

Imaginem o quadro: um pouco antes do almoço de domingo, enquanto se espera que o peixe fique pronto, pega-se num livro para queimar uns minutos... e cai-se numa teia que nos prende e da qual nem queremos assim tanto sair.

A abertura do romance, com uma Adéle a ceder, depois de uns dias a tentar resistir, às pulsões do seu corpo, a entregar-se ao vórtice que a consome como quem emerge da água e não como quem se afoga, é como uma alívio. E o leitor arrastado nestas duas primeiras páginas suspende também a respiração, só expira quando Adéle obtém o que quer e, como ela, mergulha numa espécie de relaxamento, para logo voltar a retesar-se, porque a resposta aos seus anseios não quer dizer nunca, como se verá ao longo da leitura, equilíbrio ou serenidade, é sempre mais medo até ceder de novo aos seus impulsos.

Adéle é ninfomaníaca. Apesar da vida perfeita em Paris, mergulha constantemente numa espiral de queda e degradação. Esse constraste não chega para definir o livro, porque, pelo meio, temos o amor de Adéle pelo filho, o seu terror de alguém vir a conhecer o seu segredo, a necessidade de manter a sua segunda vida a salvo - segunda vida, porque é no seio da família, com os colegas de profissão, com o marido, com os amigos e familiares que Adéle finge. 

Apesar de tudo isso, Adéle não evita qualquer risco, aliás procura-o, compraz-se nele, desde contratar quem a satisfaça até seduzir os amigos mais próximos. Leva os homens que seduz a uma espécie de adição, levando-os a prometer-lhe tudo, mas Adéle não deseja mais do que tem, só o seu corpo é sujeito de desejo e a sua concretização Adéle pode encontrá-la onde quiser, enquanto for jovem, bonita, atraente e puder chamar a atenção dos homens, que parecem cair sempre na sua teia de sedução assim que ela queira.

Adéle teme a velhice, mas não pelos mesmos motivos que as outras mulheres. A velhice a terroriza-a porque significa o fim da sua adição.

O livro é também sobre o amor, a abnegação de quem ama e, mesmo sabendo a verdade, procura a redenção para o ser amado, ser capaz do perdão e viver mergulhado noutra espécie de medo.

Lê-se, não enquanto o peixe se faz, mas numa tarde, num sorvo, num hausto tenso e quase desesperado. O leitor oscila entre a repugnância e o fascínio, a condenação e o desejo salvífico, a censura e o perdão, acabando por torcer muito por Adéle.

Recomendo a leitura. Como dizia há dias Gonçalo M. Tavares, mas não vão à procura de uma leitura para descansar, se é isso que querem, tal não mora neste livro de Leila Slimani. Se vale a pena? Vale muito a pena.

20
Out22

Ideias para fugir ao fim do mundo: ser bloqueado na vida real

livrosparaadiarofimdomundo

Isto não anda nada bem.

Afinal não ficamos todos bem, alguns ficaram bem pior: uns com muito menos do que tinham antes, outros soltaram a gárgula que vive dentro deles e desvendarem uma face violenta.

Hoje é da violência que me apetece falar. Quer dizer, não me apetecia muito, mas a violência esteve tão presente no meu dia, que escrever sobre as várias formas através das quais me visitou me parece uma boa forma de a exorcizar.

Apareceram à minha frente dois garotos com o rosto marcado pela agressão. Tinha sido um outro, um miúdo de dezasseis anos, que se sentira provocado pela forma como tinha sido olhado e resolvera tratar disso com uma bofetada. Da mesma forma, um pouco mais à frente, resolvera dar um murro a um outro mais ou menos pelos mesmos motivos. Tudo aquilo parecia vir a escalar nas horas seguintes. Preocupam-me os três. Os agredidos, porque ninguém tem de ou merece ser agredido, porque ninguém tem se estar exposto à coação, à limitação, à instigação ao medo. Preocupa-me o miúdo que agrediu os outros. E se ele não for capaz de aprender que não é assim que se resolvem as coisas? E se ele não for capaz de olhar para o outro e não conseguir sentir empatia e viver a verdade de que só somos dignos quando tratarmos os outros com dignidade?

Recebi vários emails redigidos num tom que transpirava animosidade, muita consciência do direito de questionar - que temos -, de inquirir - que temos -, de discordar - que temos! Mas não sob qualquer forma, não sob qualquer pretexto, não sob uma só perspetiva e que, invariavelmente, é sempre o ser-se cioso de direitos e dos deveres dos outros e nunca a assunção dos nossos próprios deveres, pelo menos o da correção, da urbanidade... E as palavras, ai a escolha das palavras.

As palavras lançadas como armas, mais como punhais, como coisas afiadas para ferir cegamente. Não são de cristal as palavras, são de ferro e fogo e de gelo, usadas para ferir.

Os gestos de afronta, a sobranceria, o narcisismo, o egoísmo e o egocentrismo, os egos hipertrofiados, a violência latente nos olhares e nos gestos.

Este dia quase que abalava o meu crónico otimismo.

À noite, em casa, olho as minhas estantes, aqueço-me com a manta, bebo um chá forte, cotejo os gestos de bondade que este dia não deixou de ter, as gargalhadas que dei e que fiz dar, a doçura de alguns olhares e de alguns gestos, as mensagens dos bons amigos que tenho, e vou recuperando, convalescendo desta enfermidade social, que é outra pandemia, não tão silenciosa assim, porque se manifesta em tom muito elevado e inflamado. Há-de haver, tem de haver, um refúgio para aqueles que são do bem.

Bem-aventuados os pacíficos...

Bem-aventurados os que são bloqueados... Peço para ser bloqueada na vida real por um certo tipo de gente. Onde é que se entregam os papéis?

 

 

03
Out22

#7/2022 - Crónicas italianas, António Mega Ferreira: melhor livro de viagem

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Crónicas Italianas

Sextante Editora

252 páginas

Vem este post a propósito do facto de este livro de António Mega Ferreira ser o vencedor do Grande Prémio de Literatura de Viagem Ondina Braga 2022.

Mega Ferreira é um exímio prosador, diria que tal, como no verso de Camões, ele é o amador que se transforma na coisa amada: o livro inscreve-se numa tradição secular, a da viagem como formação, a da viagem a Itália como uma espécie de pós-graduação nesse circuito, já que grandes nomes da literatura, da pintura,  do cinema e da música viveram o mesmo fascínio por essa terra de superlativos atributos que é a Itália. O livro resulta de um amor maduro pela Itália, que é transversal a todos os textos, e nos faz amar esse país e nos leva a querer ir até lá e seguir essas linhas do que é uma autêntica educação visual.

Tecido de uma erudição que nele se verte de maneira bastante elegante, nada ostensiva, leva-nos a perspetivar algumas das cidades mais conhecidas de Itália fora dos circuitos do  turismo de massas, atento aos "leões" dos folhetos, levando-nos a procurar lugares arredados dessses centros para procurar tesouros supreendentes, artistas menos badalados,  pérolas fora do bulício das ruas mais movimentadas, permitindo-nos o luxo da contemplação em sossego, quase exclusiva.

Li este livro enlevada e, por causa dele, o meu destino de férias este verão foi Itália. Na bagagem, este e o Práticas de viagem. E dei-me a esse luxo, andar por cidades fora dos circuitos mais badalados, sem multidões (à exceção de Florença), em agosto, mas deambulando como se fosse sempre domingo, demorando o olhar, sentando-me em dezenas de lugares, maravilhando-me perante um património que parece inesgotável e relendo vagarosamente em algumas das "estações" as páginas destes livros. Foi o que se chama uma experiência de leitura imersiva. Devia haver mais livros assim, conhecedores e amadores, devolvendo-nos essa forma de olhar que nos permite também a viagem como formação.

Partilho aqui uma pequena história desses dias e por causa deste livro. A crónica "Uma parede em Prato", que começa assim "Eu tinha querido ir a Prato", foi determinante para que eu também quisesse ir, contemplar essa parede, na senda de Fra Filippo Lippi. Mas os últimos dias em Itália foram de tempestades e de trovoadas e eu não gosto de trovoadas, daí que fosse adiando Prato, por causa da previsão de trovoadas... até que, no último dia, a caminho de Bolonha, tinha ficado combinado que iríamos à Duomo de Prato ver a tal parede, seja o altar mor. Chegados a Prato, foi um percurso direto até à catedral, e ia tão cega que quase não via os quatro sujeitos à entrada, vestidos a rigor com traje a lembrar uma qualquer confraria e... barraram-me a entrada e, perante o meu espanto e um esforço para nos entendermos, lá percebi que não poderia entrar, que não veria a parede nem os frescos, que a minha ida a Prato teria de esperar talvez por outra viagem: tinha morrido o bispo de Prato, naquele dia 31 de agosto de 2022, àquela hora precisa estava a decorrer com pompa e circunstância a missa do seu funeral. E Prato ficou adiada, apesar de, talvez ter sido a principal razão de me ter decidido por Itália. Salvou esta manhã um café primoroso numa rua lateral da catedral, pouco italiano, de um bom gosto extremo, onde pontificava um amável gigante e onde se serviam umas tardes de comer e chorar por mais, misturando-se nessas lágrimas o desgosto acabado de viver e o prazer provocado por uma perfeitíssima tarde de maçã.

Volarei a este livro, porque o queria saber de cor, e sonho voltar a Itália, começando, claro está, por Prato. Isto tudo para dizer que o galardão atribuído ao livro é justíssimo.

29
Set22

#6/2020 - O Regresso dos Andorinhões, Fernando Aramburu: como do muito se fez muito

livrosparaadiarofimdomundo

O Regresso dos Andorinhões

D. Quixote

802 páginas

Vir aqui hoje, ou (re)vir, provocou-me algumas reflexões:

1. Será que ainda está na moda escrever em blogs? A esta primeira inquirição respondi com um encolher de ombros. Quero lá saber! E concluo que escrevo tanto para mim como para quem me queira ler. Conforme o texto flui ouço na minha cabeça as palavras que me dito (medito?) ao mesmo tempo que imagino os meus putativos leitores. O sarcasmo corre-me nas veias e tenho de dizer que me é difícil imaginar leitores, de maneiras que escrevo para mim, num blog, paradoxalmente à espera de ser lida, se assim não fosse escreveria à margem de uma qualquer folha.

2. Talvez seja melhor fazer já um desmentido, vá, este ano não li só seis livros, li mais do que isso, mas não vou agorar por-me aqui a vangloriar-me disso. Comecei este blog para falar de livros e li mais por causa de escrever sobre o que lia e, quando lia, sentia-me no dever de escrever, nascendo daí uma rotina de que gostava. Depois, recorrendo a uma expressão de que gosto, fui ultrapassada pela direita e o ferido que resultou do embate foi a minha disponibilidade para escrever. Hoje, aqui, presente no que escrevo, penso: gosto tanto de escrever como de ler. Deus, se puderes, dá-me tempo...

3. A terceira reflexão escrevo-a hoje, mas ocorreu-me em junho. Como é que sei que foi em junho e ainda por cima no dia 11 de junho? Porque estava em Braga na livraria Centésima Página, onde vi pela primeira vez este livro de Fernando Aramburu e pensei: será que este senhor escreve a metro? Porque estas oitocentas páginas andam próximas da dimensão do Pátria, de que gostei muito. Nesse dia, não comprei este livro, mas como ele estava inscrito no meu destino, comprei-o não sei quando... e li-o de um sorvo. Não é para me gabar, mas comprei-o a uma sexta e acabei de o ler na terça-feira seguinte.

Apresentadas as reflexões prévias, vamos ao livro O Regresso dos Andorinhões. A personagem do livro é Toni, um professor de filosofia, que resolve suicidar-se, definindo um prazo para o fazer e preparando tudo para que os seus afetos, livros, a cadela, os amigos e família não se perturbem demasiado com a sua ausência, que ele crê não vir a ser muito sentida, a não ser pela cadela. "Credo, Manuela, que raio de leitura! Tens a certeza que estás bem?" Estou, sim senhor. é que Fernando Aramburu constrói uma narrativa poética, encantatória, fluida  e viciante, que se lê como quem planeou suicidar-se a prazo. 

Gostei mesmo muito deste livro, há nele tanto da nossa repetida e vivida fragilidade humana. É uma dissecação daquilo de que todos somos feitos, nas pequenas graças e desgraças. é um foco de luz que incide sobre aquilo que distingue a forma como olhamos o mundo, desencantada, otimista, esperançosa ou dissimulada, para que ninguém saiba das nossas fragilidades. 

É um livro bonito... como a vida quando regressam os andorinhões.

16
Mai22

#5/2020 -O silvo do Arqueiro, Irene Vallejo: da intemporalidade do mito

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - O Silvo do Arqueiro

Bertrand Editora

208 páginas

Vou lendo, vou lendo, mais ou menos à razão de um livro por semana... um bocadinho menos.

Irene Vallejo é autora do mui famoso O infinito num junco, que é um livro que eu quero muito ler, mas do qual, como acontece frequentemente, me vou arredando, vá-se lá saber porquê. Mas ele vai acontecer um dia, sei que vai. 

Estando familiarizada com o nome da autora, chamou-me a atenção este livro que surgiu - para mim - há pouco tempo nos escaparates e lá veio ele cá para casa e eu contaminada com uma resistência: se o romance histórico já foi um dos géneros preferidos, ultimamente tenho quase fugido deste tipo de narrativas. Este, ainda por cima, tocava temas quase sagrados: a figura mítica de Eneias e os seus amores pela rainha de Cartago, Dido no mito que conheci através das traduções de Latim do 10ºano (ai que saudades de estudar Latim!) e que nesta obra é Elisa. Esta é mesmo a grande interrogação/perplexidade que não consegui resolver: porquê Elisa? Mas a autora é especialista em mitologia, pode ser que saiba coisas que eu não sei, hipótese muito, muito provável.

Começada a leitura, confesso que o livro não me agarrou logo, faltava-lhe uma certa grandeza, talvez o tom grandíloco e corrente dos épicos, talvez uma certa birra, talvez falta de tempo para uma leitura mais atenta. Depois aconteceu uma tarde de praia, com pouca gente e o livro tomou conta de mim e ganhou uma dimensaão inesperada, é um livro com uma profundidade que acabou por me surpreeender.

O silvo do Arqueiro  é, como anuncia desde o início, uma revisitação de um clássico, mais até do que isso, é a revisitação de um mito, colhendo aí aquilo que está fora do espaço e do tempo, tornando-se por isso mesmo universal. Podemos começar pelo desenho literário de Cartago, a jovem cidade que Elisa vai fortificando, criando um reino seu, ela própria exilada e sujeita a todos os perigos, imagem da fragilidade não só humana, como claramente feminina num mundo de homens, para homens, dominado por homens que querem dominar outros homens e onde as mulheres se restringem ao gineceu, às escravas e, só em raros casos, a rainhas constantemente acossadas. Não há uma preocupação excessiva em fazer da cidade de Cartago um fresco histórico: portos e ruas, açoteias e palácios, casebres e baldios existiram em Cartago e existem em qualquer metrópole. É Cartago, mas podia ser uma qualquer cidade.

As personagens cingidas às suas demandas, às suas ambições, ao sonho e à errância: Elisa mais Penélope do que Dido; Eneias, o errante, aquele que calcorreia costas inóspitas à procura de um lugar de ser, onde possa enterrar e esquecer o passado marcado pela guerra, pela morte, pelo perigo, pela traição e pelos seus próprios demónios; Ana e Iulo, duas crianças perdidas no mundo dos adultos, demasiado frágeis para poderem fazer valer as suas razões, entristecidos num mundo em que vigora a lei do mais forte; a insuficiência do amor para sanar conflitos e corrigir hesitações e equívocos - tudo o que acontece tanto nessa Cartago mítica como num estado atual, onde a liberdade individual se verga a valores que a estiolam  e a esmagam, seja num tempo fora do tempo, seja na Roma imperial de Augusto, seja no presente do nosso quotidiano. Um mundo de sempre onde até os deuses se enganam e são ultrapassados.

Vallejo toma a universalidade da epopeia de Vergílio antes de ser obra literária, dá-nos o tema antes da obra e apresenta-nos Virgílio assomado pelas dores de qualquer escritor: a procrastinação, a fidelidade a si mesmo,  a dúvida, o sofrimento atroz que é escrever. Essa enigamática figura que, séculos depois de Eneias e de Elisa, perscruta o passado para explicar, justificar e celebrar o presente, seja como dever, seja como epifania. É neste passo que o romance se aprofunda, se afirma e se desdobra em múltiplos significados, mais do que um livro sobre Eneias, é um livro sobre a humanidade, mais do que texto é metatexto, é reflexão sobre o papel da escrita e da literatura. Não pude deixar de relacionar os últimos capítulos deste romance com algumas das reflexões do poeta em Os Lusíadas: sem poetas que as celebrem, não há grandes obras e estas funcionam por si mesmas como incentivo aos grandes feitos, quantas vezes a obra supera o assunto, sobrevivendo ao tempo, ao autor, à intenção, permanecendo como que levitando por cima dos seus fundamentos materiais, sublimando-se e vivendo por si mesma, pelo seu valor, pelo seu conteúdo, a arte maior que a vida, verdadeira promessa de eternidade: "Virgílio, moribundo, não chegou a sabê-lo, mas escreveu uma obra mais duradoura do que o próprio Império Romano. Não chegou a saber que, ao longo dos séculos, meninos e jovens vão aprender a conhecer a silhueta das palavras e a amar o fulgor da linguagem com os versos da sua Eneida". 

 

09
Mai22

#4/2020 - O colibri, Sandro Veronesi, uma excelente leitura

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - O Colibri

Quetzal

328 páginas

Estive em Faro e entrei numa livraria, isso é que é uma novidade! Apesar de ter sido praticamente empurrada para fora da loja, por já estar para fechar, em desespero de causa, perguntei se podia ainda comprar um livro e este estava na prateleira das novidades, de maneiras que veio comigo, não fosse dar-se o caso de eu não comprar mais um livro.

Claro que comecei logo a lê-lo e este livro fez-me aquilo que eu espero de um livro: agarrou-me imediatamente. Dormia a pensar nele e a procurar qualquer pretexto para lhe pegar. Acho que não o li, sorvi-o, como dizia o Álvaro de Campos, "sem tempo de manteiga nos dentes".

O Colibri - o título remete para a alcunha que o protagonista tinha em jovem - narra-nos a história de Marco Carrera, oftalmologista que vive em Florença, apresentando-no o seu percurso como é o percurso de qualquer vida: amor, amizade, família, carinho, cuidado, sonho, felicidade... e o reverso disto tudo, mágoa, infelicidade mais ou menos oculta, ódios, fraturas, morte, abismos inultrapassáveis. O livro é efetivamente uma saga familiar, marcada por uma sucessão de perdas e de impossibilidades que marcam profundamente o protagonista que, apesar de tudo, se reergue, se reorganiza, cumprindo o seu papel na terra por conta do mais puro e verdadeiro amor (terão de ler para saber do que se trata). O amor está também retratado nas suas múltiplas formas e imperfeições, em especial, como algo que muito se quer, que está ao alcance  e ao mesmo tempo irremediavelmente inalcançável. A família como núcleo que ora se faz e desfaz, marcados todo os elementos pela perda irreparável da morte de Irene, a irmão de Marco, mas também pela doença, que obriga à dedicação, à entrega. Mas o livro faz-se também do inaudito, do acaso, da revelação, de epifanias, de compreensão, ainda que tardias. Faz-se também de um ritmo que é sereno, como se a voz do narrador escolhesse propositadamente um tom menor para nos dar a conhecer esta humanidade dos seres de papel que desenha perante o leitor, é um narrador que se entrega ao seu papel de contador da história sem ceder ao histrionista, é contido, sensível, atento, gentil, mas contido.

Há depois a estrutura, a arquitetura do romance que encerra muito do seu encanto e da sua originalidade. O romance é polifónico, já que o narrador cede pontualmente a vez às suas personagens, em especial através da correspondência entre Marco e Luísa, que permite ao leitor reconstruir aquele amor malogrado a que ambos se entregaram durante anos. O livro assume diferentes perspetivas e todas se complementam, ficará de fora a perspetiva de Giacomo, o irmão que se exila nos EUA, que se recusa a responder às cartas de Marco, que o narrador silencia, mergulhando-o numa aura de mistério e de impenetrabilidade, que atormenta Marco e simultaneamente o leitor. O livro não está organizado linearmente, oscila no tempo, certos passos da obra iluminar-se-ão  mais tarde, ora pelas analepses proporcionadas pelos jogos da memória, ora pelas prolepses que antecipam momentos decisivos para as personagens. 

Por fim, há a inteligência e a cultura do autor, o recurso a todas as técnicas dialógicas que desafiam a enciclopédia do leitor: versos citados, frases de romances inseridas no discurso, reenvios frequentes para todas as formas de arte, títulos de livros, personagens retomadas de obras que marcaram o autor, músicas e letras de canções, obras de arte e de design, mistura de ficção e realidade, passagens completas de outros romances, que são tributos a autores e obras que marcaram o autor/narrador. Tudo disto culmina no capítulo final no qual o autor desnuda, revela cada passo que cerziu no seu próprio discurso, fazendo deste romance uma obra muito maior que ela mesma, maravilhando o leitor.

Por fim, há a beleza da linguagem, ancorada num equilíbrio grego, sem notas dissonantes, elegantíssima, exata, sedutora.

Este é um excelente romance, como há muito não me acontecia. Gostei tanto deste livro... e é daqueles que impõe a releitura, é preciso mais do que uma passagem para nos apropriarmos dele. Recomendo veementemente!

18
Abr22

#3/2022 - Madalena, Isabel Rio Novo: desilusão e ira, dois sentimentos pouco pascais

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Madalena

D. Quixote

199 páginas

Parte I - Desilusão

Desconfiar dos prémios... parece ser um bom barómetro para os livros. Nem sempre regressamos ao lugar onde fomos felizes. Às vezes, vamos lá e é com cada desilusão!

Eu li fascinada um livro de Isabel Rio Novo, o maravilhoso Rua de Paris em dia de Chuva, e pensei, temos escritora, sim senhor, quem escreve assim é muito promissor.

De vez em quando, nas minhas idas às livrarias online,  cruzo-me com os outros dois romances da autora e quase que compro, ouvi dizer bem de ambos e, a julgar pelo que tinha lido, não haveria de ficar desiludida. Vai daí que um domingo, numa qualquer livraria física da minha vida, desconsolada, porque nenhum livro se me colou, se me agarrou de maneira que eu não o pudesse deixar, até que pus os olhos em cima deste Madalena e pensei, olha é mesmo este! Isabel Rio Novo, um valor seguro. Pois não foi! Foi uma desilusão. Falta ao livro qualquer coisa que o torne convincente, é de uma banalidade excruciante. Quando cerzimos histórias num livro, o leitor naõ deve dar pelas costuras, a narrativa tem de fluir. No caso desta Madalena, parece que tudo foi alinhavado a pontos largos, fica-se com a sensação que a costura não vai aguentar se puxarmos por ela. Falta coesão, falta fluidez, falta a prima para a obra ser, embora a ideia até seja muito interessante. Certo é que no final não se percebe qual a relevância nem de uma linha narrativa nem de outra. Mais ou menos como a montanha que pariu um rato. Não houve uma frase que eu sublinhasse, que eu destacasse, que me tocasse. Ocorre-me a corruptela de um ditado, ao que parece alemão: a vida é demasiado curta para maus livros (era com vinho, mas eu não bebo), e eu li este até ao fim! É poucochinho. Não vale a pena insultarem-me, que eu na literatura sou anarquista e também não professo nenhuma fé.

Parte II - a ira

Tudo o que vou escrever a seguir não determinou a opinião que formei sobre o livro. Poderia ser apenas um pormenor desagradável, como o pé dormente de Alberto Caeiro, quando se punha a pensar. Mas é mais do que isso. Eu explico.

Acontece que a personagem do romance é professora de profissão. Embora a profissão não seja o mais importante para o desenho da personagem, a verdade é que a autora a definiu como professora, que regressa fragilizada à escola depois de um período de quimioterapia. E como é que esse regresso é descrito? Com uma indiferença atroz por parte de todos: colegas e alunos, e, cereja em cima do bolo, o presidente do conselho executivo, que se cruza com a personagem por acaso, a única palavra que tem para com ela é acerca do relatório de avaliação que estava em atraso. As aulas da personagem são descritas da forma como passo a citar: "Entretanto, voltara às aulas por poucas semanas, o suficiente para reaprender as rotinas da profissão. Gritar a matéria, repreender verbalmente, expulsar da sala; continuar a gritar a matéria, repreender por escrito, expulsar da sala, continuar a gritar a matéria, abandonar a sala, apresentar queixa no gabinete do conselho executivo, instaurar um processo disciplinar". E a coisa continua com mais umas descrições. 

O que é que me enfurece? O estereótipo! Custava alguma coisa ter tentado perceber? Informar-se minimamente sobre o funcionamento de uma escola? Perceber a dimensão da profissão, se era para falar sobre ela. Depois a escolha das palavras, esta professora não explica, não expõe, grita a matéria e expulsa alunos da sala, essas são as rotinas que reaprendeu. Nem é por eu ser professora, nem é por esta visão das coisas não coincidir com a forma como encaro a profissão, nem estar sequer próximo do que é a escola hoje em dia e do trabalho meritório e diferenciador que muitos professores fazem. Nem é pelo chorrilho de imprecisões e inocrreções. Não é por isso. É porque, conhecendo o meio, me desagradam os lugares comuns, os chavões, a negligência, o facto de estes dados não acrescentarem rigorosamente nada à história, porque não têm qualquer relevância, estão lá para encher, mas vamos lá arrojar uma série de coisas que se ouvem por aí e representar dessa forma uma profissão.

Mais ainda, Portugal está a atravessar uma verdadeira crise com falta de professores, a profissão não parece cativar ninguém e uma autora já com público, que é lida e respeitada, trata desta forma este papel social, pregando mais uns pregos neste caixão de maneira absolutamente gratuita, alinhando num coro que se faz ouvir há mais de uma década e que tão mal tem feito. isto quando é notório que a autora fez alguma pesquisa sobre o cancro, tratamentos e procedimentos...

E para aqueles que me vierem falar da liberdade estética, pois claro que a liberdade estética existe, mas também existe a outra: a de nos manifestarmos desagradados e de podermos afirmar que não é livro que recomendemos. Tenho pena. Continuo a gostar muito do Rua de paris em dia de chuva e talvez leia os outros. Esta Madalena é que não.

29
Mar22

Inspiração do dia - obrigada pela lição

livrosparaadiarofimdomundo

Quem me conhece, mesmo daqui do blog, sabe que vivo na convicção que tenho a profissão mais bonita do mundo:sou professora, mesmo a desempenhar funções de gestão, é isso que sou na essência professora.

Hoje, a propósito de uma formação, foi-me pedido que referisse a coisa mais bonita que me tinha acontecido e que me tinha feito feliz e lembrei-me automaticamente do César (o nome é fictício) e da lição que tinha aprendido com ele. 

O César é um menino vítima de maus tratos, de tal forma que a escola teve de intervir para que fosse tratado a propósito de uma tareia que o pai lhe deu, foram acionadas as medidas de proteção de menores. A escola é um lugar seguro para o César, é lá que toma a medicação, graças ao zelo e ao humanismo de assistentes operacionais como não há. 

Ontem, a propósito de circunstâncias alheias a esta situação, fui apresentada ao César que me olhou maravilhado (juro que não estou a inventar) e exclamou: "A Diretora? É tão jovem!". E eu ri-me, deliciada, peguei-lhe nas mãos e disse que ele tinha feito o meu dia. E ele acrescentou: "E é tão bonita!" E eu rendi-me com aquela gentileza. E disse-lhe que, por ele ser tão gentil, o iria acompanhar pessoalmente até à sala de aula. E lá fomos. Pelo caminho ele perguntou-me: "A professora sabe o que me aconteceu?". Eu respondi-lhe que sabia e que era por isso que me preocupava com ele. Depois falamos do que é que ele gostava mais na escola, como é que ele estava e, desta forma serena, fomos até à sala. Quando chegamos, ele quis que eu entrasse. Depois despedi-me e este momento ficou-me gravado e o tempo passa e os efeitos deste breve encontro espalham-se no meu espírito como uma mancha de água sobre papel.

O César conhece um ambiente de violência. Não me atrevo a especular mais, porque pouco mais sabemos. Ainda assim, perante o outro, foi de uma gentileza e de uma generosidade verdadeiramente tocantes. Que lição, que inspiração, querido César!

Não gosto de cavalgar os momento mediáticos, porque preciso de distanciamento, mas, sem querer penso no episódio dos Óscares e comparo esse momento mediático com este momento subterrâneo e mais fascinada me sinto com o César.

As horas passam e há uma comoção que me vai dominando, que tive de exprimir, que tive de agradecer. Obrigada César.

Precisamos tanto de cultivar esta gentileza com o outro, de assumirmos o discurso do Bem, de afirmarmos o humanismo e o afeto como forma de nos conduzirmos na vida, de sermos como o César.

  

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