A poesia dos/nos dias
Às vezes, ocorrem-me os versos de Sophia de Mello Breyner, não como citação, mas como qualidade. Explico melhor. A poesia de Sophia é luminosa, concreta, aguda como arestas, exata na escolha das palavras, que naquele lugar se tornam imagens.
Ocorre-me a impressão dessas qualidades em momentos, em instantes que me distraem da minha distração para a vida e que me forçam a olhar para a exatidão dos gestos.
A luz do sol que incide sobre os meus olhos, ainda fechados quando o dia nasce e é possível esperar por ele;
O toque macio da tijoleira encerada na pele nua dos pés;
A suavidade das folhas das plantas que acaricio enquanto ando pela casa.
O silêncio da cozinha, quebrado pela água a cair na chaleira.
O aroma do café.
O silêncio da cozinha enquanto, numa espécie de luxúria, tomo um pequeno-almoço solitário.
A água quente do banho matinal.
O momento em que finalmente desperto e me sinto presente a mim mesma.
A euforia que me domina ao aperceber-me da poesia no quotidiano.
A perfeição pode ser apenas a exatidão dos gestos que nos garantem a permanência e a continuidade. Um eterno retorno, um eterno princípio.
Saber isto: estou aqui.