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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

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Livros para adiar o fim do mundo

10
Jun21

Às vezes também saio de casa: instantâneos da Serra da Estrela II

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Depois de Loriga, regressámos a Lapa dos Dinheiros e toca a fazer o percurso pedestre (PR 10 Seia). No início, a coisa foi muito idílica, cerca de 15 minutos a descer por entre um bosque húmido, sombrio, perfumado e uma pessoa vai pensando que não há nada como uma boa caminhada na natureza. Daí a pouco, inverteu-se a coisa e toca a subir, a subir, a subir, a subir, ai que já não entra oxigénio, raios partam estas ideias de caminhar na natureza, já não tenho idade para isto. A praia da Lapa dos dinheiros estava um bocadinho "nheca" nesta altura e decidi logo que a de Loriga tinha mais encanto. Depois de restabelecer a respiração, como é que era o próximo troço? Pois, a subir e eu maldisse a minha vida muitas vezes, mas em modo fluxo de consciência que o meu mais que tudo não estava a achar mesmo graça nenhuma e eu não podia dar parte e fraca, alguém tinha de manter a moral em cima. Horas depois... o caminho esticou-se à beira de uma levada, onde uma água limpída corria veloz, caminhamos um bom bocado na horizontal e a serra está tão bonita nesta altura do ano que comecei a colher flores silvestres. Já levava comigo um vistoso bouquê de cravos do monte, de dentes de leão, de orquídeas, de botões azuis. Nisto, olhei para cima e estranhei ver a sinalização do percurso bem acima, pintada numa parede de rocha e, antes mesmo de perguntar porquê, vimos o sinal de virar à esquerda, mas à esquerda era praticamente uma parede de rocha, na vertical, com uns tufos de feno agarrados, mas era mesmo assim. Depois de convencer o mais que tudo que agora não íamos voltar para trás, toca a subir, de gatas, agarrados aos tufos e, como precisava mesmo das duas mãos, tive de deixar o meu bouquê, que foi o que mais me custou. Parece que havia por ali uma formação rochosa que se chama "Cornos do Diabo" e, efetivamente, aquilo parecia obra do demo. Depois da escalada, havia uma espécie de planalto e dali pudemos ver o ribeiro a escoar-se por entre rochas de enorme granito, a vista tornou-se bonita assim que conseguimos respirar. A partir daí o caminho espraiou-se, ou pelo menos foi assim que fiquei a lembrar-me dele, descendo por entre bosquezinhos, pinhais e ervas altíssimas, tudo outra vez muito bucólico, muito agradável e já se ouvia o sino de Lapa dos Dinheiros. Mais próximo da aldeia, mais um exercício de cabra montesa, descer ao lado de umas quedas de água lindíssimas, tudo muito húmido, muito medo de cair e, quando desembocámos na aldeia, demos com um hotelzinho com umas cercanias de fazer inveja, com umas espreguiçadeiras que só de olhar eram de apetite e nós a esfarrapar-nos pela serra. Começo a duvidar das minhas boas ideias.

Subimos para a serra pelo Sabugueiro. O sol brilhava agora num céu azul ferrete, como diria o Eça. Parámos no Sabugueiro, numa daquelas lojas que vendem tudo, desde barros do Alentejo a fontes budistas, passando por tapetes da china e queijos da serra e enchidos e ainda têm uma esplanada e um café e servem sandes e tábuas de queijo. Pedimos, cá fora, ao sol, uma tábua de queijos e tive o meu desgosto a sério, a senhora disse-nos que não tinha pão de centeio, tinha vendido o último e só sobravam duas carcças, que fossem as carcaças e a acompanhá-las uma tábua de queijos e enchidos. Entretanto, o demo abriu as portas e pôs-se um frio de novembro, entramos na loja e o senhor disse que havia uma mesa ao fundo, onde nos podíamos sentar, no meio dos casacos, dos barros, das loiças, dos tapetes (eu já tinha dito que isto era um blog de viagens brega), mas com uma vista soberba (estes clichés) para a encosta de serra. Veio a tábua, a garrafa de vinho para nos servirmos, e tivemos um momento tão tranquilo que não dá para descrever. Adoro o meu país, nestas suas idiossincrasias, nesta mistura de queijo amanteigado de excelência com tapetes importados da china. 

Regalados, continuamos a subir em direção à Torre para depois descermos para a Covilhã (já tinha dito que escolhemos mal o sítio onde ficar?). De repente, abaixo de nós formou-se um mar de nuvens e de névoa, que pareceu cristalizar, como um enorme merengue ou como se estivéssemos a andar de avião, por cima, mantinha-se o azul ferrete e o brilho doido do sol. Acho que foi das paisagens mais "misty" e serenantes que já contemplei. Chegados à Torre, decidimos ficar ali a contemplar o por do sol, e não éramos os únicos. É indescritível a magia daqueles instantes, o tapete/mar de nuvens, com aspeto quase sólido, consistente e aquele sol todo e o azul. Foi ficar ali contemplativamente e desceu sobre mim uma calma de que há muito precisava e que ainda conservo algures dentro de mim, mas, como os balões, vai perdendo volume.

Na descida para a Covilhã, com o céu já de todas as variantes cromáticas, do lilás, ao rosa, com tons de azul muito ténue, fui, com uma voz que eu sei modular muito bem, falando, na minha ideia para o dia seguinte: levantar cedo, ir até ao Covão da Ametade, fazer a pé todo o vale glaciar de Manteigas. Silêncio como resposta - é um percurso linear. Acrescentei que podíamos ensaiar um dia de pastores, levando na mochila queijo, pão, um enchido, fruta e almoçar à beira do Zêzere. Continuei sem resposta. Terminei dando a ideia de, depois da caminhada, regressarmos de táxi ao Covão da Ametade. Como contraproposta, recebi a ideia de fazermos ao contrário: deixarmos o carro em Manteigas, subir ao Covão de táxi e depois fazer o percurso. Já estava! No dia seguinte, haveria outra caminhada.

Continua no próximo episódio, com cenas de ação que metem facas, condução perigosa e um final feliz.

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