Às vezes também vejo séries#2: Alguém tem que morrer (minissérie Netflix)
Gosto muito de minisséries. Não vejo séries com 250 temporadas, fora os anexos.
Algém tem que morrer é uma minissérie espanhola, em exibição na Netflix, com apenas três episódios, de cerca de 50 minutos cada. Dá para um serão bem passado. É de uma intensidade dramática capaz de nos pregar ao sofá, sem falarmos, às vezes sem respirarmos, mas indiferentes nunca.
Começo pelo título, muito bem achado, e que, quanto a mim está mais voltado para o espectador do que para a intriga. Alguém tem que morrer é aquilo que somos levados a pensar assim que o primeiro episódio se inicia: há muita tensão, há muita sisudez, há muita violência contida e explícita, há muito poder, há muita subjugação, há muita arma, para que no final todas as personagens sobrevivam aos acontecimentos cujo avanço mais não faz do que criar a sensação asfixiante de que aquilo só pode correr mal.
Ambientada na Espanha do pós-guerra, fechada, conservadora, homofóbica, retrógada de Franco, a ação coloca duas famílias do regime, movidas pelos interesses comuns - se o chefe de família da primeira gere prisioneiros, em especial aqueles acusados da degeneração ligada aos amores homossexuais; o segundo explora uma fábrica de calçado, impusionada pela mão de obra gratuita que recruta através do amigo. Se o primeiro é pai de um filho e o segundo pai de uma filha, nada melhor do que combinar-se o casamento e serem todos felizes para sempre. Se há um segredo de família - ou vários - porque no melhor pano cai a nódoa - é preciso fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o sepultar para sempre e não permitir que a sua revelação coloque em causa o status quo: se for preciso mata-se, se for preciso exila-se, se for preciso tortura-se, se for preciso trai-se, se for preciso mente-se, se for preciso bate-se. Caso seja necessário satisfazer o desejo de poder, o desejo de brilhar, a incapacidade de se ser contrariado, recorre-se sempre aos mesmos processos.
E o que é que fica pelo meio? Os elos mais fracos; aquele que voltou as costas num momento de imprudência, aquele que testemunhou, aquele que ama, aquele que é a esposa submissa, aquele que é cônjuge de um preso político, aquele que não convém e, em especial, aquele que vinha só para ver as vistas e foi apanhado no tornado.
As personagens frequentam um clube de elite, cuja principal atividade -além daquela mais velha do mundo: ver e ser visto, manter-se na berlinda, afinar a aceitação - é o tiro aos pombos. E há neste desporto predatório toda uma mise en abîme da série. Se não estás do lado daqueles que seguram a arma, é porque estás no lado da presa, se não atiras, és alvo. Aliás a omnipresença das armas, do som dos tiros só agudiza esse ambiente opressivo em que as personagens dominadas vivem. Só há uma forma de escapar: matar ou morrer.
Poupo-vos os pormenores técnicos, quem é quem, garanto-vos que o desempenho artístico dos atores é bastante bom, os figurinos também, a frieza do ambiente outonal igualmente. Vejam a série, é muito interessante, pertinente, atual - afinal há por aí países em que foram aprovadas leis homofóbicas bastante recentemente - e põe-nos a pensar em que sociedade queremos viver, para não adormecermos no embalo das demagogias. Eu gostei!