Da inclusão e de um verdadeiro artista
Muito se fala em inclusão, conceito que ganhou mais significado do que integração, por ser mais ambicioso, por apontar na direção de um mundo melhor.
Hoje, pude ver um pequeno "arranjo" no mundo e hoje esse mundo ficou um bocadinho melhor.
Acontece que numa das escolas do Agrupamento há uma menina, a quem vamos chamar Helena (o nome é fictício para a proteger, mas também é o pesudónimo que ela hoje usou, porque há dias em que ela não usa o seu verdadeiro nome), que é cega. Por escolha da Helena e da mãe, não frequenta uma escola de referência para alunos cegos e com baixa visão, tendo preferido uma escola normal (inclusiva), que a recebeu de braços abertos e que tudo fez para lhe proporcionar os meios, o apoio, os recursos físicos e humanos para que a Helena se sentisse bem na sua escola.
Acontece que a Helena referiu a uma das suas professoras que gostava muito de ouvir Vitorino, sim, o da menina que estava à janela.
Acontece que um outro professor da escola soube do interesse e do gosto da Helena e conhecia alguém que conhecia o Vitorino.
Acontece que esse alguém contou ao Vitorino o interesse da Helena e o gosto que ela teria em conecê-la.
Acontece que o Vitorino disse que sim e veio de longe, de propósito para que a a Helena o conhecesse e para que ela o ouvisse cantar.
Hoje, à chegada à escola, Vitorino encontrou uma menina que tremia de excitação e de alegria. À chegada à escola, O Vitorino abraçou a Helena e nunca mais a largou. Caminhou com ela até ao campo de jogos, onde um outro grupo de alunos, ensaiados pelos professores de Música, cantaram em coro, como boas-vindas, a queda do império.
Hoje o Vitorino colocou-se lado a lado com a Helena e juntos cantaram para uma plateia de alunos e de professores menina estás à janela e o Vitorino deu todo o protagonismo à Helena. Depois ainda cantaram juntos a queda do império e o Vitorino chamou com gestos os outros meninos para se juntarem a eles e a magia aconteceu.
Foi só isto, não é um Coliseu, não houve rádios, não houve jornais, não houve holofotes, houve este momento belíssimo numa escola, onde uma menina realizou o seu sonho graças à imensurável generosidade de um homem e de um artista que disse que sim, que foi gigante neste gesto, discreto, quase anónimo, concretizando aquilo que ele mesmo disse: a música é a única linguagem.
Há uns anos, por causa de uma certa senhora e de alguma sociedade, brincava, dizendo que não queria que as pessoas soubessem que eu era professora, porque tinha medo de ser insultada. Hoje, o meu orgulho fala mais alto. Quero ser parte desta magia que cuida, que gosta, que acarinha o nosso futuro. Enquanto Helenas e professores como estes e artistas como o Vitorino conseguirem estas pequenas coisas, há esperança para o mundo e para o futuro.