15
Out14
Fica a vontade de voltar (V)
livrosparaadiarofimdomundo
A viagem deautocarro começou com um forte balanço, enquanto subíamos por uma estrada quenão podia deixar de ser íngreme, por estas paragens é assim. Nos lugares aolado do meu viaja um jovem casal que vem de fazer a mesma rota que nós. Factosurpreendente, trazem consigo um bebé, que, pelos meus cálculos, não deve termais de nove meses. No chão repousa uma mochila de o carregar às costas. O bebéestá cansado e resmunga. Com o balançar do autocarro, acabamos por adormecer, ocasal e o bebé também.
A viagem élonga, quando acordo, sem saber quanto tempo decorreu, sou surpreendida pelasvistas espantosas: vales verdejantes mais abaixo da estrada, que corre sempre,parece-me, num equilíbrio muito precário à beira destas escarpas profundas. Hápequenos bosques de pinheiros por onde repousam vacas indolentes. A tarde jávai avançada. O bebé começou a chorar de impaciência e cansaço. Se fosse eu,começava a afligir-me, o que havia de afligir ainda mais o bebé (por isso nunca memeti nestas aventuras com crianças muito pequenas, mas por aqui, as crianças nãoparecem ser obstáculo nenhum e é uma lição que aprendo: no pasa nada). A mãe espanhola limita-se a cantar-lhe uma cançãode embalar numa voz que não posso deixar de achar muito doce e a menina volta aadormecer. Eu já não durmo.
Dou conta deque o percurso até Cangas de Onis se faz por uma garganta que só pode ser ofamoso desfiladeiro de Los Beyos. Aestrada é muito estreita, mesmo assim tem duas faixas. A cada curva maisfechada, ficamos com a impressão que o autocarro vai embater na parede opostadesta estreita passagem que a montanha permitiu. As paredes são abruptas –agora sei exatamente o significado desta palavra – ou seja, a pique, de rochamaciça, mas recortada de maneira caprichosa. Não consigo desprender os olhos, hámomentos em que uma parede a direito me corta a respiração, entre o medo que oautocarro se roce por ela, cortando-se naquela lâmina, e de que se afastecorrendo o risco de mergulhar no precipício, não consigo perceber o que me fazsuspender a respiração. De vez em quando, cruzamos um rio numa ponte de que malpercebo os contornos. As cores variam entre o verde muito verde e todas astonalidades de cinzento, ora quase branco, ora quase negro, da rocha dura quenos ladeia. Descubro mais tarde que a estrada corre ao lado do Rio Sella e quedesce até Cangas de Onis desde a província de Leão, onde aliás ficava situada aaldeia de Caín.
Chegados aCangas de Onís, tempo para mudar de autocarro, que finalmente nos há detransportar até Poncebos. No total, a viagem de regresso leva mais de trêshoras de autocarro, foi grande a volta que demos no dia de hoje. Em direção aPoncebos, a estrada não melhora. Há momentos em que aperto a mão do Tó comforça, tenho mesmo medo. Como viajo do lado direito do autocarro, à janela,posso jurar que houve momentos em que me senti suspensa no vazio. Não haviaberma e o motorista, na minha perspetiva, ia demasiado depressa. A ideia de umacidente não me sai da cabeça e só quero que esta viagem infernal chegue aofim. Sei que admiro a paisagem com fascínio, mas o meu instinto de sobrevivênciaobriga-me a desejar pela segurança de paragens com cota mais baixa e com os pésassente na terra. A verdade é que nunca gostei de voar…
O troço até aoparque de estacionamento volta a devolver-nos às margens do rio Cares que,selvagem, continua a correr no seu leito estreito. Fechamos o ciclo já comsaudades deste dia que nos colocou perante a esmagadora força da natureza eestamos gratos e reconhecidos e muito conscientes da nossa pequenez. Fica, semdúvida, a vontade de voltar.
Regresso aoparque e jantar. Nova experiência com a Sidra Asturiana. Que desilusão!!! Asidra afamada das Astúrias sabe a uma água-pé deslavada e dizemos em voz alta anossa perplexidade, estávamos convencidos de que a sidra ao natural devia serum parente pobre. Estávamos, como havemos de ver, muito enganados e já nãoestava longe o momento da nossa conversão, que seria dali por dois dias.