07
Fev14
Horóscopo de novembro (II)
livrosparaadiarofimdomundo
Entre divertidae desalentada continuou a leitura. Incomodava-a aquela sensação de insatisfação.O desejo de viver uma reviravolta, de se emocionar, de vibrar. Enterrar aestranheza que lhe vinha da sensação de que na sua vida não havia tempo para avida. Sem resistir continuou a percorrer as diferentes janelas da página astral.Um desejo infantil de que naquele arrazoado sem lógica lhe fosse apontado umcaminho, se abrisse uma porta, de que uma centelha pudesse ser avistada edepois acarinhada e depois alimentada e que crescesse e que a vida fosse plena,fremente. Que dali crescesse um fogo destruidor. Que ela pudesse renascer dascinzas. Mais uma previsão que ela conseguiu adaptar ao seu estado de espírito:uma quadratura (relação de tensão) da Lua com Mercúrio pode trazer-lhe algumaconfusão (mais!?) em termos de ideias ou simplesmente perda de lucidez. E istoera uma promessa ou uma ameaça. Dada a sua abulia, podiam ser as duas coisas aomesmo tempo, ameacem-me com uma promessa, é disso que eu preciso. Quem deraperder a lucidez, agir irresponsavelmente, não ponderar, não calcular, nãomedir, não planear, não se prender em teias que se iam, que ia, tecendo à suavolta e nas quais se via cada vez mais enredada. Sim, sim, queira deus que aLua vá de encontro a Mercúrio e que daí resulte um choque cósmico capaz de aabalar. Agora, só com um choque cósmico é que lá conseguia chegar.
Entretanto, já outro mentor apontavasoluções que nunca teriam ocorrido a pessoas de bom senso. Um entre aqueles queela desdenhava, mas continuava a ler, enfeitiçada, encontrando sinais que lhepermitiam interpretar a sua existência à luz de oráculos que o acaso lhe punha àfrente, atribuindo sentidos a palavras que navegavam no mundo virtual para quemulheres crédulas e incrédulas as procurassem e nelas se vissem refletidas – a menosque não fumassem, porque uma das recomendações não fazia sentido para todaselas (ver acima). Este alertava para a sensibilidade em relação a tudo o que arodeava – verdade – sobretudo em relação às milhentas tarefinhas que sempre aesperavam: arrumar, preparar, organizar, verificar… oh, oh, dizia quefacilmente se apercebia do estado de espírito das outras pessoas, disto nãoduvidava, filhos e marido estavam sempre num estado de espírito que osconvidava a esperar que a iniciativa partisse dela. Isso ela sabia.Acrescentava a possibilidade de sentir necessidade de manter secretos ossentimentos, conselho inteligente, sem dúvida, porque era de todo inconvenienteque se soubesse que ela vivia presa de uma impaciência tão grande que asufocava. Quanto à hipótese de sentir maior necessidade de, nesta fase, passarmais tempo com as pessoas que lhe são queridas, foi a primeira escorregadelaque viu naquele horóscopo de novembro. E se, pelo contrário, a sua urgênciafosse passar tempo longe das pessoas que lhe eram queridas? Que leituras não sefariam se ela verbalizasse essa fome de solidão. Pode a solidão ser umanecessidade? Pode.
Uma vez mais, foi salva por umclique, mudou de página e viu-se na eminência de ter que seguir uma vida saudável,sob pena de ter um dia difícil de não poder controlar as emoções. Era melhorera, não fosse o dique romper-se de vez e ela nunca mais conseguir encontraraquele equilíbrio delicado feito de pés em pontas (mas as bailarinas dançam empontas…). Nada como controlar as emoções, um bom conselho viesse ele de ondeviesse. Este guru avisava-a agora, só agora, de que a semana ia ser de grandeexigência. Se os astros soubessem, se olhassem mais para os homens comuns e anónimoscá em baixo, não vaticinariam tantas evidências – todas as semanas sãoexigentes, duras, violentas e, ainda assim, é preciso cavalgá-las como quemequilibra um barco na crista da onda, afastando-o do naufrágio.