Ideias para fugir ao fim do mundo: ser bloqueado na vida real
Isto não anda nada bem.
Afinal não ficamos todos bem, alguns ficaram bem pior: uns com muito menos do que tinham antes, outros soltaram a gárgula que vive dentro deles e desvendarem uma face violenta.
Hoje é da violência que me apetece falar. Quer dizer, não me apetecia muito, mas a violência esteve tão presente no meu dia, que escrever sobre as várias formas através das quais me visitou me parece uma boa forma de a exorcizar.
Apareceram à minha frente dois garotos com o rosto marcado pela agressão. Tinha sido um outro, um miúdo de dezasseis anos, que se sentira provocado pela forma como tinha sido olhado e resolvera tratar disso com uma bofetada. Da mesma forma, um pouco mais à frente, resolvera dar um murro a um outro mais ou menos pelos mesmos motivos. Tudo aquilo parecia vir a escalar nas horas seguintes. Preocupam-me os três. Os agredidos, porque ninguém tem de ou merece ser agredido, porque ninguém tem se estar exposto à coação, à limitação, à instigação ao medo. Preocupa-me o miúdo que agrediu os outros. E se ele não for capaz de aprender que não é assim que se resolvem as coisas? E se ele não for capaz de olhar para o outro e não conseguir sentir empatia e viver a verdade de que só somos dignos quando tratarmos os outros com dignidade?
Recebi vários emails redigidos num tom que transpirava animosidade, muita consciência do direito de questionar - que temos -, de inquirir - que temos -, de discordar - que temos! Mas não sob qualquer forma, não sob qualquer pretexto, não sob uma só perspetiva e que, invariavelmente, é sempre o ser-se cioso de direitos e dos deveres dos outros e nunca a assunção dos nossos próprios deveres, pelo menos o da correção, da urbanidade... E as palavras, ai a escolha das palavras.
As palavras lançadas como armas, mais como punhais, como coisas afiadas para ferir cegamente. Não são de cristal as palavras, são de ferro e fogo e de gelo, usadas para ferir.
Os gestos de afronta, a sobranceria, o narcisismo, o egoísmo e o egocentrismo, os egos hipertrofiados, a violência latente nos olhares e nos gestos.
Este dia quase que abalava o meu crónico otimismo.
À noite, em casa, olho as minhas estantes, aqueço-me com a manta, bebo um chá forte, cotejo os gestos de bondade que este dia não deixou de ter, as gargalhadas que dei e que fiz dar, a doçura de alguns olhares e de alguns gestos, as mensagens dos bons amigos que tenho, e vou recuperando, convalescendo desta enfermidade social, que é outra pandemia, não tão silenciosa assim, porque se manifesta em tom muito elevado e inflamado. Há-de haver, tem de haver, um refúgio para aqueles que são do bem.
Bem-aventuados os pacíficos...
Bem-aventurados os que são bloqueados... Peço para ser bloqueada na vida real por um certo tipo de gente. Onde é que se entregam os papéis?