Livros que deram um filme: Brooklyn, de Colm Tóibín
Gosto muito de livros que me acontecem. Quero com isto dizer, aqueles que se começam a impor nos meus interesses, de tal forma que o apelo para os ler se torna irresistível. Ao contrário do que me costuma acontecer, no caso de Brooklyn, vi primeiro a adaptação ao cinema. Devem recordar-se do excelente filme com Saoirse Ronan, que inclusivamente foi candidato ao Óscar de melhor filme, do qual gostei mesmo muito e que recomendo também.
Já ninguém deve poder ler aqui que fui à Irlanda e blá, blá, blá, livros, etc. Mas a verdade é que este livro chegou por esta via. Quando vi o filme não me apercebi que, no princípio, era o livro e, quando soube, não me apeteceu ler o livro. Errado! Mas vou aprendendo. Entretanto, não é que estive em Enniscorthy e que visitei um castelo que por lá existe, num dia de verão irlandês, leia-se de chuvinha acompanhada de uma névoa mística que nos impelia a procurar lugares cobertos e, quiçá, aquecidos. Pois, lá andávamos pelo castelo, com o seu ar de casa das nossas avós (da minha avó não, certamente), sem ninguém a aborrecer-nos e, num dos andares, o que é que existia? a recriação dos cenários do filme, cujas cenas irlandesas foram filmadas na cidade, bem como detalhes da vida do escritor, do sucesso do livro e ainda recortes de notícias de jornal que davam conta do enorme entusiasmo, euforia mesmo, que a rodagem do filme por lá despertou. Recriadas no castelo, estavam a sala de estar da mãe de Eillis e a loja onde ela trabalhava aos domingos, depois da missa. O cenário da loja era encantador, com a recriação das embalagens da época em que a ação do livro/filme se desenrola. Assim sendo, imaginam o que é que fiz tão logo pude em Portugal. Adivinharam. Comprei o livro e li-o.
Brooklyn de Colm Tóibín é um livro maravilhoso. Sóbrio, contido, uma história simples, mas com a grandeza de todas as histórias que nos colocam perante os dilemas da vida humana. Efetivamente, a maior parte das vezes, não é pela história que amamos os livros, é pela maneira como essa história é contada. Tóibín penetra profundamente na consciência de Eillis, a narrativa acompanha a sua vida na Irlanda, dependente da mãe e da irmã, sem perspetivas de emprego, como toda uma geração de jovens irlandeses que se viu obrigada a procurar no outro lado o Atlântico uma nova vida, como tantos portugueses, como tanta gente por esse mundo fora. A oferta de um emprego nos EUA mergulha Eillis num profundo dilema, pois isso implica deixar a sua família, a sua cidade, os seus amigos, as paixões juvenis que vão brotando. A descrição da viagem de barco de Eillis vale uma boa quota do livro, assim como a narrativa do seu primeiro ano nos EUA.
Quando a vida de Eillis tinha estabilizado, quando até o amor tinha encontrado, quando as saudades de casa pareciam a cicatriz de uma ferida que não sarara, mas permitia viver, um acontecimento inesperado obriga-a a regressar à Irlanda. Aí, a humilhação que tinha conhecido por parte dos seus coterrâneos dá lugar à curiosidade e ao fascínio. Eillis é agora uma “estrangeirada”, que se refinou, que veste de maneira diferente, que representa o exótico dos que partiram e depois regressaram. E é aqui que o dilema maior da vida desta jovem se prefigura diante dela: ficar ou partir, que promessas honrar, que escolhas fazer.
Este romance é delicado, feminino, sem que este adjetivo traga qualquer carga pejorativa, de muito agradável leitura e coloca-nos perante uma história cujos contornos nos levam a ver o outro, seja o que chega ao nosso mundo, seja o que parte dele, com outros olhos. Uns olhos mais humanos, mais compreensivos, mais compassivos. O êxodo, a emigração não é como uma viagem de lazer, é um desenraizamento doloroso, é uma aprendizagem, é um processo, é a vida com as suas alegrias e tristezas. Emigrar começa por ser escolher e as escolhas nunca são fáceis.