Post sem livros lá dentro #4
Sou uma pessoa de bloqueios. Quando desenvolvo um, nunca mais me livro dele.
Há sítios onde deixei de ir, casas onde não entro, a menos que tenha de salvar alguém e mesmo assim... Hoje apetecia-me pizza para o jantar, mas, como não estavam reunidas as condições para conduzir até à pizzaria e esperar no carro enquanto uma das crias ia buscar a pizza, comi sopa de peixe que havia em casa. Não consigo ir buscar pizza, acho logo que o esforço é demasiado. Não sei.
Serve esta introdução para dizer que não vinha ao meu blog há muito tempo e fui percebendo que isto corria o risco de ser um bloqueio dos meus, depois abandonava isto e, de cada vez que visse a palavra blog a cruzar-se comigo, sentiria um aperto no coração, outro no estômago, porque teria consciência de que tinha deixado alguma coisa para trás.
Hoje vim aqui. Escrevi estes pensamentos soltos, regressei a mim, ao gosto de escrever e vou pensando nos gestos. As teclas são suaves, deixo as palavras fluirem da mente para as pontas dos dedos. Vou divagando. Penso nas plantas e imediatamente me vem à memória - como as madalenas do proust - os versos de Ricardo Reis: "Segue o teu destino,/Rega as tuas plantas,/Ama as tuas rosas./O resto é a sombra/De árvores alheias./A realidade/Sempre é mais ou menos/Do que nós queremos./Só nós somos sempre/Iguais a nós-próprios. O que eu gosto destes versos, o que eles me inspiram da placidez de Reis, da mediocritas clássica. É um anseio, um sonho, abdicar e ser rei de mim mesma. Como é que isso se faz? Como é que nos deixamos ir, tratando tudo como "a sombra de árvores alheias".
E penso nisto, na lição de Reis, e desce sobre mim essa calma e penso que podia desenvolver um bloqueio às resposabilidades que me esmagam, ao trabalho, à dificuldade em respirar normalmente.
Vou procurando nichos nos dias: bebo o café à janela aberta, sinto a frescura da manhã e contemplo as plantas. Hoje o hibisco tinha uma flor exuberante, à noite quando regressei aquela florescência tinha mirrado. Efémera, breve, frágil. Que lição de vida! Quando conduzo, embedo-me da luz destas manhãs de verão. Gosto do verão, por causa da luz, do ar, do contraste entre o calor e a frescura. Sento-me lá fora enquanto o dia cai e escuto os pássaros doidos a cantar e a acomodarem-se nas tileiras. Os cães ladram doidos por não os poderem alcançar e tenho um daqueles momentos em que sinto que a vida está "arrumada", tudo encaixa e enfim repousa/repouso. Bebo o chá, preto, forte, à inglesa, com uma nuvem de leite, mesmo nos dias quentes devolve-me alguma coisa beber aquele chá.
Coitado de quem hoje cair na asneira de me ler. Só espero que não crie um bloqueio, já eu, quebrei um.