“Sempre imaginei o paraíso como uma espécie de biblioteca.”*
“Sempre imaginei o paraíso como uma espécie de biblioteca.”*
Esta frase de Borges aquilata, sem margem para dúvidas, a relevância da biblioteca e, claro, da biblioteca escolar, como espaço de informação, de aprendizagem, de conhecimento - numa perspectiva mais funcional - mas, igualmente, de prazer, de bem-estar de apaziguamento, de desconexão, de crescimento e de tranquilidade – numa perspectiva mais simbólica. Todas estas formas de viver e de fruir a biblioteca se ajustam à escola e à missão da escola junto da comunidade que a orbita.
Quem ama os livros e a leitura – é crucial que a palavra amor seja aqui declinada – ama igualmente as palavras e quer conhecê-las. Biblioteca é uma palavra composta de dois vocábulos gregos: biblion (livro) e teke (caixa ou depósito). No caso vertente, a etimologia desilude, como se uma biblioteca pudesse ser apenas uma depósito, ou uma caixa de livros, que remete para a ideia de arrumos de coisas inertes! Para mim, palavras (e os conceitos que elas arrastam), como lugar; livre acesso; paisagem; refúgio; vozes; espíritos; cultura; diálogo; viagem; empatia; mito; tempo; memória; mistério; claridade… sempre fizeram parte do campo semântico da biblioteca. Estas que escolhi traçam em breves apontamentos a convergência do meu ideário com o de Borges. Um lugar onde seja possível ter, sentir e fazer o que estas palavras prefiguram é, se não um paraíso, um lugar ideal, que existe e existe na escola.
Como lugar de livre – digam a palavra como quem a saboreia – acesso, a biblioteca é democrática, acolhe todos os que amam os livros, mas igualmente os que os entendem como objectos maçadores, procurando aí o digital e o livre acesso a outras formas de conservar e de aceder à informação e ao conhecimento. O livre acesso é gratuito, logo a biblioteca promove a igualdade, atenuando assimetrias que noutros espaços se tornam mais nítidas.
Há poucas paisagens tão emocionantes como a sucessão de estantes carregadas de livros, mimese da ordem do universo, cujas entradas codificadas são como mapas, podemos ir pelo autor, pelo título, pelo género, ou podemos simplesmente perder-nos, percorrer com as pontas dos dedos as lombadas dos livros, permitindo que um deles, por fim, nos interpele e nos convoque à comunhão com o autor e as suas palavras. É igualmente uma paisagem que nos permite fugir da dureza do quotidiano, da barbárie, do medo e da angústia. Mergulhar na leitura de um livro, está provado cientificamente, acalma o espírito, desvanece as angústias, liberta-nos das tensões, tem quase o efeito de uma noite bem dormida. Se nos entregarmos à leitura por alguns instantes, o nosso espírito fortalece-se, serena e começamos a respirar melhor. Pérez-Reverte, numa entrevista, belíssima, concedida a um jornal português, dizia que, quando o mundo se lhe tornava insuportável, refugiava-se na sua biblioteca e relia os seus autores preferidos, entre eles Pessoa.
Tenho quase a certeza que, se ficássemos, por acidente, fechados numa biblioteca durante a noite, no silêncio profundo, e se soubéssemos escutar, ouviríamos o murmúrio dos muitos autores aí guardados, em diálogo constante, numa espiral que se alimenta de si mesmo e que se alarga como os círculos na água, simultaneamente soma e multiplicação. Como não é conveniente que fiquemos fechados numa biblioteca, para abrir esse portal de acesso a um mundo fantástico, onde convivem fora do tempo e do espaço, autores de ontem e de hoje, ideias velhas que se mantêm frescas e ideias novas cujo fulgor brilha com mais intensidade por serem resultado das muitas ideias que as precederam, porque tudo é memória, para tudo isso, basta a aventura, o risco de abrir um livro, melhor se forem muitos livros, e de nos abandonarmos a eles. Viajaremos até lugares reais e fantásticos, experimentaremos todas as sensações, conheceremos todos os sentimentos. Fechado o livro, seremos maiores e melhores do que éramos antes daquele livro, porque a leitura nos torna maiores do que somos, mais livres, mais esclarecidos, mais empáticos, mais conhecedores.
Regresso a Borges, que também disse: “chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve.”, que é um pensamento belíssimo e que atribui ao leitor, ao sujeito de curiosidade, de aprendizagem, uma dimensão inaugural, pois que , sem leitor, o livro está morto. Este poder, de ser, de fazer, de sentir, existe nesse lugar mágico, próximo, de livre acesso, que é a biblioteca e, se for escolar, mais ainda. Aí poderemos incluir todos os alunos, independentemente da sua origem e do seu contexto, aí poderemos cuidar da saúde mental das nossas crianças e jovens, aí poderemos levá-los a aprender e a cultivar os valores de uma cidadania esclarecida, democrática, tolerante e aberta ao outro, aí poderemos ceder-lhes diferentes formas de informação e conhecimento, aí poderemos mostrar-lhe que a memória e a cultura são inalienáveis, aí poderemos educar-nos para os direitos, aí poderemos cumprir a nossa missão, porque a biblioteca é o coração da escola.
Assim, as bibliotecas escolares do Agrupamento de Escolas de Cister são agentes de transformação e de inclusão, são parceiras inalienáveis na concretização dos objetivos do projeto educativo, são parte de todos os projetos que abraçamos, são inspiração para uma ação educativa flexível, inovadora, humanista, tecnológica, ética e estética. Não imagino as nossas escolas sem as suas bibliotecas.