O Papagaio de Flaubert, Julian Barnes: um livro sublime!
Procura um livro diferente? Gosta de ser surpreendido a cada página? Quer experimentar aquela sensação entre o riso e o espanto que uma boa tirada lhe arranca? Agrada-lhe um livro fragmentário que lhe permita saboreá-lo como se fosse uma caixa de bombons? Adora um ltexto que lhe permita colecionar frases para colecionar no seu "citador"? Costuma deter-se em passagens que impulsivamente sublinha como forma de as fazer suas? Então leia O Papagaio de Flaubert, de Julian Barnes.
Há uma passagem no livro que é especialmente curiosa, uma espécie de myse en abîme, e que, para mim, é lapidar: "Esta exigência da ausência do leitor acentuou-se ainda mais. Alguns escritores concordam com este princípio de uma maneira ostensiva, mas entram às escondidas pela porta das traseiras e falam ao leitor num estilo altamente pessoal." A verdade é que, página após página, não consigo libertar-me da sensação de que este livro cria a ilusão de que é Julian Barnes que assume simultaneamente o papel de escritor, narrador, personagem e palestrante, alguém que ouvimos com prazer e que nos seduz pela forma como tece o seu texto, costurando pequenas histórias, umas sublimes, outras comoventes, algumas prosaicas, outras ainda quase obscenas, mas todas de uma dimensão humana quase palpável.
Outro aspeto a que não resisto é à intertextualidade, àqueles livros que continuamente nos levam a rememorar outros livros, que reconfiguram a nossa própria leitura e os livros que até já tínhamos lido, e também este ingrediente se encontra neste livro que não deixa de se prestar à metáfora da cozinha de fusão.
E ainda o facto de nos atiçar a vontade de ler Flaubert, dar uma nova oportunidade a Emma Bovary, e depois voltar a este Papagaio. Como terá sido possível que na minha carreira de leitora a figura de Flaubert não ocupe um lugar cimeiro? Terei de voltar atrás e corrigir esse lapso, essa lacuna, porque afinal não terei percebido o génio de Flaubert.
Barnes consegue a proeza de nos dar uma imagem de Flaubert que o reduz à condição de homem comum, com os seus defeitos e fraquezas, sem, no entanto, beliscar a imagem de génio e de sublime escritor. Como? Talvez não vos consiga explicar, mas suspeito que tenha a ver com uma espécie de mensagem subliminar, no fim, tal como no princípio, o que interessa é o verbo, entenda-se a obra, a literatura, as palavras imortais do escritor que verdadeiramente criam o mundo, não em sete dias, mas decerto para a eternidade. Interessante é que a ideia do escritor estar na obra como Deus na criação é igualmente glosada.
Sente a falta de uma obra-prima? Ainda não comprou todos os presentes de Natal? Não precisa de uma desculpa para comprar um livro? Vá a um site; amanhã passe pela livraria; pare na biblioteca; peça emprestado; não interessa como, mas não deixe de ler este livro extraordinário que faz parecer o fim do mundo mais longe. Afinal, enquanto se escrever assim, há esperança para a humanidade.