#4/2020 - O Escritor-fantasma, de Zoran Živkovic
Editora: Cavalo de Ferro
Páginas: 142
Género: metaliteratura
Origem: comprado
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"A linguagem é um excelente indício a respeito das pessoas" - verdade, verdadinha!
"Um livro permanece sempre jovem e belo e um corpo envelhece e enfraquece" - sem concordar inteiramente, visto que há livros que também envelhecem precocemente, mas, de facto, há outros que mantêm uma frescura perene.
Este pequeno livro, que se lê em dois pequenos serões, ou se for um bom serão, num só serão, permitiu-me conhecer este escritor sérvio de quem nunca tinha lido nada. E não é que gostei? Por isso, adiconei este nome aos dos escritores que quero conhecer melhor.
A ação do romance decorre ao longo de uma manhã de trabalho de um escritor, manhã muito pouco produtiva, porque há uma série de interrupções que o impedem de escrever: a sua meticulosidade, o alerta do correio eletrónico, as exigências do seu gato, o régio Félix, a quem o Escritor se mostra quase subserviente e, claro, uma crise de criatividade, camuflada em tudo isto.
O livro deriva para uma espécie de jogo (literário) que arrasta a sua personagem ora da vaidade para a exasperação, do espanto para a indignação, conseguindo com isso desvendar o mistério da criação artística e da relação entre os mundos da História e o nosso mundo quotidiano. É um livro sobre a escrita e o processo que lhe subjaz e que nem sempre é fácil, ou óbvio, ou prazeroso, às vezes, é realmente angustiante, perturbador e penoso. Há também uma pincelada sobre a questão da receção e da escrita como forma de realização, procurada pelas figuras mais diversas. Escrever e publicar um livro é entendido como uma forma de estatuto. E nós sabemos como proliferam quase mais escritores do que leitores e, maravilha das maravilhas, até há quem escreva livros sem nunca ter lido nenhum, mas esperando e querendo ser lidos.
Não deixem de ler o artigo que vem no final do livro e que é da autoria de Michael Morrison, antigo professor de Física e de educação geral-física teória molecular e atómica. Não é que esta circunstância valorize o artigo, mas gosto sempre de saber que há cientistas que encontram na literatura motivos de interesse, curiosidade e pesquisa, o que, nos dias que correm, serve para reabilitar a literatura e a leitura como exercício artístico e não como uma estranheza de pessoas com vidas infelizes. Morrison também se dedica a escrever ensaios e recensões críticas acerca da literatura do fantástico. Neste caso, faz uma análise crítica deste romance, ajudando a desvendar os muitos níveis de leitura a que se presta, bem como as premissas de jogo que nele se entretecem.
É um livro que se pode ler como outro qualquer - e, nesse caso, até parece irritantemente simples - mas que verdadeiramente se presta ao jogo, à decifração, à análise das constantes, onde nada é inocente.
Prestem especial atenção ao gato, ao Félix, verificando como o seu estatuto de personagem se afirma ao longo do texto, sobretudo através da descrição dos seus caprichos e exigências, dos seus hábitos e dos gostos. Atentem também no desvelo do escritor por esta criatura.