#6/2024 - As Primas, Aurora Venturini: um livro intrigante e cru
Alfaguara
203 páginas
A 29 de janeiro do ano da graça de 2024, leio a um ritmo que não me permite escrever sobre tudo... e tudo o que tenho lido tem valido bem a pena.
Este foi o sexto livro deste ano, depois do melhor aniversário de sempre: finalmente as pessoas compreenderam que eu adoro receber livros, não faz mal que toda a gente me ofereça livros. Confesso que também foi importante deixar escapar a minha wislist. Enfim, depois de uma semana de trabalho duríssima, a verdade é que estava ávida pelas horas de leitura do fim de semana e este As primas foi lido de rajada e valeu bem a pena.
Quem me lê, sabe que eu não evito livros difíceis, nem polémicos, nem incómodos, nem que causem dor, daí que este livro me tenha absorvida nas horas que levou a sua leitura. Não o conseguia largar.
É um livro muito cru, conforme se lê no prólogo, escrito por um dos elementos do júri do prémio que o llivro viria a ganhar. Nas primeiras páginas, fica-se com a sensação de que fomos apanhados numa espécie de "apanhados dos livros" tal a estranheza que a escrita, primeiro, e as personagens, depois, nos causam. A escrita obedece a um ritmo de fluxo de consciência entrecortado por causa da deficiência de que a personagem princiapl e narradora é portadora. A galeria de personagens, sobretudo femininas, está profundamente marcada por toda uma série de deformações, enfermidades, obsessões, melancolias e tristeza. Como mulheres e entre mulheres são, facilmente, objeto de violência, abandono, pobreza, desgraçadas.
A narrativa constrói-se a partir da perspetiva de Yuna, que, encontra na pintura uma forma de escapar literalmente ao ciclo que parece atingir as mulheres da sua família, aquele circo, ou lugar de bruxas, de que ela vai dando conta, ao memso tempo que vai tomando consciência da sua condição, da maldade dos outros, da impossiiblidade de confiar, sabendo que ninguém cuidará dela. Yuna apresenta-nos, na sua inocência, uma história de superação, de esforço, de resiliência, de trabalho que faz dela uma herína improvável, mas com todas as características das grandes heroínas da literatura, ainda que o seu ponto de partida seja muito mais desvantajoso.
Por causa de Yuna, este é um livro lindíssimo, surpreendente, original e cheio de poesia num contexto inóspito. Também a escrita reflete essa excentricidade. Em suma, temos um livro que é ambíguo, estranho, surpeendente, belo e cheio de esperança. É, como se lê na contracapa, "um romance perversamente genial". Para mim, já foi uma das melhores leituras de 2024. Recomendo que arrisquem, que se atrevam a não deixar de mergulhar neste livro. Acredito que não se vão arrepender, porque nso coloca questões que gostaríamos que não nos fossem colcoadas e que, raramente, aparecem desnudas em obras literárias. Apetece-me dar os parabéns a Aurora Venturini e sonhar que um dia posso ser como ela.
Outro dado que faz deste livro um caso peculiar é, como se sabe, o facto de a sua autora, Aurora Venturini, o ter escrito aos 85 anos, vencendo um prémio para novos talentos, quando já tinha vários livros publicados, tornando-se finalmente reconhecida pelo seu valor literário.
Tudo é surpresa neste livro... preparem-se para o final.