#10/2021 - A Biblioteca, de Zoran Zivkovic, a escrita como jogo
Editora Cavalo de Ferro
101 páginas
Da Biblioteca, a propósito do clube de leitura.
Trata-se de um pequeno livro de contos, todos eles intitulados A Biblioteca, seguido de um predicado diferente: virtual, particular, noturna, infernal, minimal, requintada. Além do título partilham um certo cariz fantástico, insólito, inesperado e surpreendente.
A propósito dele, lembrei-me de uma cena do filme Shrek, em que o protagonista tenta explicar ao burro a essência dos ogres, dizendo que os ogres são como as cebolas, têm camadas. O mesmo se passa com este livro, podemos lê-lo em função de diferentes camadas significativas. Pode ler-se como um livro fantástico em que o improvável acontece, pode ler-se como uma obra divertida, pode ler-se como uma série de contos que apontam para as possibilidades da biblioteca. Eu li-o na sua estreita relação com os livros: desde os virtuais - os que não foram ainda escritos - aos feios - como os de bolso que desfeiam as bibliotecas requintadas - ao livro da vida, oas géneros mais indicados aos condenados ao inferno, porque nunca leram um livro; aos que constituem a nossa bilioteca pessoal, aos que são oferecidos ao escritor num momento de bloqueio criativo. Por isso tudo, é um livro que glosa a relação do escritor com a sua obra, com os seus livros, mas também a relação dos leitores com os livros que leem, que formam a sua bilioteca. Mas é ainda um livro que nos alerta para a importância da leitura, cuja extinção parece fazer perigar a própria humanidade, afinal se se lesse mais, haveria menos tempo para praticar crimes. Por último, é efetivamente um livro sobre a biblioteca enquanto espaço de acervo, de acumulação desse objeto mágico que é o livro, aind assim não defendido de se tornar um abjeto a continuarem as previsões da biblioteca infernal. é um livro que nos fala daqueles que amam os livros e esvaziam a sua casa e as suas vidas para aí arrumarem mais um livro da Literatura Universal. É um livro que retrata a forma amorosa como cada um arruma a sua biblioteca. é um livro sobre o sofrimento ligado à arte de escrever. Infelizmente, a edição que li não tem a capa da figura da imagem que aqui coloquei, mas, quando vi esta edição não pude deixar de me maravilhar, pois há realmente algo da obra de Escher neste pequeno livro, esse mesmo desafio à nossa racionalidade.
É um livro que podemos arrumar na prateleira dos pequenos prazeres, que nos deixa de sorriso no rosto, que nos deixa felizes por estarmos um pouquinho mais longe do inferno uma vez que lemos livros, quanto mais melhor. É um livro que motiva para a leitura. é um livro que nos faz reavivar a paixão pela nossa biblioteca particular, como os casados de longa data que redescobrem o fogo da juventude. É um livro que nos desafia a relê-lo, que se presta a isso mesmo, recusando-se a encerrar-se quando o fechamos, porque se estivermos atentos, sabemos que ainda não o esgotámos. Muito bem, Zoran, posso tratá-lo assim?