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Livros para adiar o fim do mundo

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Um cantinho para "falar" de livros, para trocar ideias, para descobrir o próximo livro a ler.

Livros para adiar o fim do mundo

27
Jun24

#10/2024 - A voz das Mulheres, Miriam Toews: ethos e logos.

livrosparaadiarofimdomundo

 

Alfaguara

240 páginas

Mais uma vez a Alfaguara continua a ser a editora que melhores horas de leitura me tem proporcionado...

A primeira vez que vi este livro, nem sequer li a sinopse. É verdade, parecia-me que, pelo título, não seria bem um livro para mim. Vai daí, mantém-se a veracidade da sabedoria popular: quem desdenha quer comprar... Na Feira do livro de Lisboa, a minha filha falou-me nesta obra, referindo que as críticas eram boas, concedi ler a sinopse e ainda não foi aí que ele me interpelou. Mas uma mãe tem tendência a fazer a vontade à filha e o livro veio para casa. Foi o primeiro que li no (abundante) rescaldo da feira do livro... que pena seria se não lesse este livro! Comecemos, por isso, pelo fim, é, das leituras deste ano, a que recomendo com mais veemência. A dizer a verdade, este ano tenho muito para recomendar!

A voz das mulheres parte de um episódio verídico. Numa remota comunidade menonita, algumas mulheres são vítimas de violência sexual, que os homens começam por atribuir a demónios e ao castigo pelos seus pecados. No entanto, a verdade revelada é bem atroz. As mulheres tinham sido sedadas por alguns homens da comunidade para as violarem repetidamente. Dito assim, a questão que se coloca é para quê ler este livro? Mas é que o livro não se debruça sobre a narrativa dessas atrocidades, antes sobre a forma como estas mulheres tentarão superá-las e sobreviver-lhes, resgatando a sua vontade e, pelo caminho, a sua dignidade, grandeza e coragem. 

A narrativa concentra-se - quase à maneira das tragédias clássicas pela concentração espácio-temporal - em duas sessões secretas que as mulheres levam a cabo para discutirem o que fazer sobre o que lhes aconteceu. A tessitura dessas conversas é que torna o livro interessante. Há páginas inesquecíveis neste volume. As mulheres discutem a sua condição, o perdão, a existência de Deus, a maneira como se posicionam face aos imperativos da comunidade a que pertencem, dividem-se entre a sua identidade e a sua dignidade. São seres apenas de palavras, são o seu prórpio discurso e é pelo discurso que crescem, superam as grilhetas que as oprimem, revelando-se seres heróicos, dotados de uma improvável capacidade de amar. Enfim, estas são das páginas mais belas que já li em livro. 

O que me parece extraordinário é a forma subtil como o horror vivido por estas mulheres é revelado ao longo do livro, sem sensacionalismo, mas com crueza, nunca em quantidade, são pouquíssimas as revelações feitas, mas irrompem com uma força que nos dilacera e abala inexoravelmente. Diria que a autora, mais do que uma contadora de histórias, é uma fazedora de histórias, no sentido em que as tece, que as urde, palavra a palavra, revelando tudo, sem o dizer diretamente. É a arte de dizer, é ser pela palavra, porque é através do silêncio que se anula o outro, é quando não o validamos, quando não o reconhecemos que lhe roubamos tudo, a identidade, a dignidade, a existência. O facto de as mulheres terem recuperado a sua voz é que lhes permite libertarem-se do jugo, da violência. Por isso este livro, mais do que ação, é manifesto como potenciador da ação, da coragem, da descoberta pasmada de que as mulheres podem tomar o seu destino nas mãos.

Talvez nenhuma destas palavras faça verdadeira justiça a este romance extraordinário, mas não desdenhem, mercemos este livro!

26
Mar20

#14/2020 - Lá, onde o vento chora, Delia Ownes - é o isolamento, senhor.

livrosparaadiarofimdomundo

Wook.pt - Lá, onde o vento chora

 

Editora: Porto Editora

Páginas: 392

Só para vos dizer que ler este livro é estar ao nível de Hollywood. Para quem precisa de motivação para a leitura, sempre significa um outro nível. Digo isto, porque o livro foi recomendado pela Reese Witherspoon. Eu gosto da Reesezinha. Muito. Ela é muito boa atriz, versátil, que é uma qualidade que eu aprecio. Para coroar esta princesa, ela gosta de ler. Ela tem uma conta no Instagram dedicadaaos livros. Podem seguir. Eu não sigo, porque sou pouca dada ao Insta.

Esta foi a primeira leitura que consegui terminar nesta fase do isolamento social. Por causa do isolamento, a história assumiu todo um sgnificado novo. A ação centra-se numa criança, Kya, a quem todos vão abandonando. O livro abre com a partida da mãe. Kya vive em isolamento social, por causa do preconceito, por causa da solidão, por causa de ter de sobreviver. O seu isolamento terá consequências trágicas, mas também lá está a esperança, a aprendizagem, a resiliência e o amor. Tudo ingredientes de que precisamos para temperar a nossa nova (a)normalidade.

Em minha opinião, há uma outra personagem que se desenha por detrás de Kya, erguendo-se e protegendo-a. A natureza, a paisagem grandiosa, exuberante, riquíssima do Pantanal da Carolina do Norte. É a natureza que acolhe Kya, que a protege, que a nutre, que a cria, que a ensina, que a prepara. A autora está nas entrelinhas, a sua formação na área da biologia confere às imagens uma particularidade e uma atenção que um leigo não conseguiria. Kya torna-se uma bióloga capaz de se candidatar a um reconhecimento de competências, porque o seu é um saber prático, enraizado na experiência quotidiana da observação e da luta pela sobrevivência. Está longe de ser uma crinça lobo, mas é, de facto, a Natureza que é a sua mãe.

Por estes dias, muito se tem falado do Planeta que respira, da redução da poluição por causa do nosso isolamento forçado, que a vida nunca voltará a ser a mesma, que aprenderemos a priorizar o que é realmente importante. Este romance pode servir como manual de instruções. Não será, talvez, necessário ser tão radical, mas podemos sempre harmonizarmo-nos mais com a natureza.

Fora tudo isto, que agora, parece que tudo vai desaguar ao mesmo estuário de preocupações, privem com este livro, é diferente, está bem escrito, a história está bem arquitetado, tem um picozinho de mistério e é comovente.

 

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