Viajar com livros: O Velho expresso da Patagónia, Paul Theroux
Género: literatura de viagens
Páginas: 584
Editora: Quetzal
Eu, pecadora, me confesso: a literatura de viagens não costuma ocupar muito espaço nas minhas estantes, apesar de acreditar, religiosamente, que os livros nos permitem viajar. Ora no que toca a livros de viagens estou assim com um pé na heresia.
Já conhecia Paul Theroux de O Outro Lado do Paraíso, que é um romance e que nos coloca perante um viajante que vai para Áfica procurar o paraíso que acredita existir por lá... mas hoje não vinha falar deste livro. Como sabem, gosto sempre de contar como é que os livros me "acontecem", este foi ser livro do dia na Feirado Livro de 2019 a um preço verdadeiramente de livro do dia - às vezes, estes preços são enganadores, pelo amor de Deus, um desconto de dois ou três euros até o Continente dá, ou o cartão aderente da Fnac, ou o cartão de leitor da Bertrand, para isso, não íamos à Feira do Livro.
O Velho Expresso da Patagónia, conforme se percebe no prefácio, parte de um pressuposto diferente - segundo o autor - da maioria dos relatos de viagem, visto que não trata de um roteiro por esse território quase místico que é a Patagónia, pelo menos a ajuizar pela quantidade de relatos que aí vão buscar inspiração. Não, Theroux conta-nos mesmo a viagem que o leva de Massachusetts, onde apanha um comboio para Boston, juntamente com centenas de outros que partilham o transporte com ele, mas não o destino. Ao passo que as outras pessoas apanham um comboio suburbano para se dirigirem para o trabalho, Theroux apanha-o como etapa inevitável para chegar até Boston onde tomará um comboio intercontinental.
O livro é composto do relato desse trajeto, estação após estação, rosto após rosto, conversa depois de conversa, longos olhares à paisagem que corre pelas janelas de cada um dos comboios.Mas, claro que não é só isso, é uma soma de pequenas histórias, é um cuidadoso relato sobre imensas circunstâncias, é um ensaio social, político e económico, é um texto de geografia, é um livro de memórias, é um estudo medidativo. Nele cabem outros géneros e outras intencionalidades. Na verdade, resumir estas páginas a um relato de viagens é injusto para o livro, o pretexto da viagem é imagem do ato de atirar uma pedra à água e ficar a contemplar os círculos cada vez mais largos que se vão desenhando na superfície. Theroux amplifica enormemente cada um dos círculos, oferecendo-nos um relato que se lê com prazer, com curiosidade, com interesse, mantendo-nos presos ao seu livro como se de um romance de aventuras se tratasse.
Também gosto muito de livros que me permitem aprender. A verdade é que até este Expresso eu tinha a geografia do continente sul americano um bocadinho baralhada na minha cabeça. Com a curiosidade que o livro me despertou e para perceber exatamente em que ponto da viagem o autor se encontrava, sustentei a leitura com muita pesquisa na Internet. Daí que tenha ficado com um mapa muito claro desenhado no meu espírito. Ignorante me confesso, eu que achava que o México se limitava ao estreito que une a América do Sul à América do Norte, descobri que afinal este país ainda ocupa uma faixa de territória na América do Norte. O canal do Panamá, bem como o regime fiscal deste país, foram outros tópicos que esclareci. Fiquei a saber muito sobre as enormes dificuldades técnicas que a abertura do canal levantou, em particular tendo em conta o desnível entre os oceanos que une, bem como a diferença ente correntes.
Fiquei com os olhos cheios da imensidão do Lago Gatún, fiquei sonolenta com a descrição da lentidão de algumas composições, fiquei com a garganta seca de atravessar a Patagónia e exultei com o autor quando finalmente tomou o Velho Expresso da Patagónia e terminou a sua viagem - e o seu relato - e voltamos ambos para casa. Leiam este livro, eu gostei tanto que comecei a pesquisar também viagens de comboio.
PARA GUARDAR: a explicação, no início do livro, da diferença profunda que existe entre chegar aum destino depois de uma viagem de avião ou depois de uma viagem de comboio (ou de carro, ou a pé, ou de outra forma menos instantânea), sendo que segunda nos permite interiorizarmos as diferenças na paisagem, no clima, nas pessoas, nas cidades, vilas ou aldeias...